
Sobre  a cômoda, ao lado do vaso onde quase sempre há uma flor, há um  porta-retrato prateado. Na foto, um jovem de perfil: cabelos negros,  pele clara, olhos grandes, óculos de aro escuro. Quando eu ainda olhava o  porta-retrato de baixo para cima, com uns sete anos, já sabia que ele  era alguém muito importante para a família.  Os anos se passaram, o  porta-retrato mudou de casa, mas seguiu junto com a cômoda e o vaso. O  homem da foto continuava jovem, olhando insistentemente para o infinito.  Outros anos se seguiram, e a dona do porta-retrato e da cômoda morreu.  Hoje, o porta-retrato mudou de casa e de dona. E eu o olho de cima para  baixo.  O jovem é meu tio, o jornalista Luiz Eduardo da Rocha Merlino,  torturado e assassinado aos 23 anos, em São Paulo, em 19 de julho de  1971, nas dependências do DOI-Codi, centro de tortura comandado pelo  coronel reformado do Exército brasileiro, Carlos Alberto Brilhante  Ustra. Sua mãe, Iracema da Rocha Merlino, dona do porta-retrato, faleceu  em 1995 sem que o Estado tivesse reconhecido a responsabilidade pela  morte do filho.
  
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