A ação hoje observada tanto corresponde a encadeamentos de amplas e
diferentes práticas como a fatos isolados cultural e politicamente relevantes, já que
significam a emergência de formas transformadas de manifestação social. A vitalidade
das sociedades latinoamericanas manifesta-se, assim, numa pluralidade de frentes de
mobilização, com rápida possibilidade de serem reproduzidas através da base técnica da
vida coletiva: as atuais formas de comunicação e informação. Desta maneira, o
acompanhamento analítico da ação apresenta desafios de método que não podem ser
respondidos, totalmente, através de um debate teórico-conceitual dirigido à gênese
estrutural da ação, conforme referido acima, ou com apoio, somente, em questões
políticas abrangentes . como exemplificam os relevantes temas da democracia e da
cidadania ou as variadas formas assumidas pela problemática do sujeito. Poderia ser
dito que a ação social, ao mesmo tempo em que exige a consideração destes grandes
temas, impõe o reconhecimento de outros, propostos por aqueles que fazem
concretamente a vida e que (re)costuram, de forma incessante, o tecido social. Para
estes, experiência vivida e futuro caminham juntos.
Este ensaio encontra-se construído em direção à vida imediata, sem com isto
desconhecer referências estruturais abrangentes. Esta opção de método não significa o
elogio irresponsável do cotidiano mas, sim, a valorização de contextos, lugares e
narrativas. Envolve, ainda, a intenção de contribuir no encontro de formas de
representação da vida coletiva que facilitem o enraizamento da questão social. Para
tanto, busca-se refletir os elos entre mapas (orientações da ação) e imagens
(representações da experiência), trazendo a ação para o aqui e agora, ao mesmo tempo
em que reconhece-se que os vínculos entre mapeamentos e representações coletivas
exigem a reflexão da experiência histórico-cultural latino-americana. Esta proposta
metodológica encontra inspiração em Milton Santos (1994; 1996; 1999), Edgar Morin
(1996), Boaventura Santos (1991) e Carlos Fuentes (1994).
Mapas e imagens
A natureza e a riqueza, aí incluído o volume da população, conduziram com
especial força a simbiose entre imagem e mapa acelerada pela modernidade. Medir,
contar, precisar, desvendar caminhos e penetrar territórios foram processos que
articularam representação e apropriação do mundo e que envolveram religião e poder. A
capacidade de medir e avaliar torna-se crescentemente exata, mesmo que na exatidão
escondam-se obscuros espíritos e permanentes imprecisões1. Também o valor
excepcional da informação rara, aparentemente uma característica do mundo
contemporâneo, existiu no segredo dos mapas e nas redes que transmitiam aos centros
de poder, ainda no período dos descobrimentos, os segredos das terras desconhecidas e
das rotas trilhadas (Bueno, 1988). Por outro lado, imagens e relatos encontraram
rapidamente o seu mercado entre aqueles que sonhavam com a aventura não vivida,
com as cores e os sabores das terras distantes e com uma fauna exuberante e mística
(Bueno, op cit).
1 .Medir montanhas, contudo, é uma tarefa diabolicamente difícil, com espaço de sobra para que se
cometam erros. Como explica Louis Baume em Sivalaya, um compêndio de fatos sobre as catorze
maiores montanhas do mundo, .o cálculo das altitudes dos picos do Himalaia é um campo de tanta
complexidade erudita que nem mesmo anjos munidos de teodolitos e fios de prumo ousariam meter o
nariz no assunto.(Krakauer, 1999).
Talvez a direção assumida pela busca do desconhecido possa ser encontrada na
forma como a natureza foi desvendada, desde os primórdios da modernidade, pela ânsia
de riqueza imediata; passando gradualmente a ser compreendida como sendo a própria
forma possível da riqueza, ao mesmo tempo em que culturas e seres humanos foram
classificados e aprisionados como elementos do surpreendente quadro natural do novo
mundo2. A beleza das representações cartográficas do período dos descobrimentos, e
dos séculos imediatamente subsequentes, resulta de leituras que buscam recursos e que
registram, através de imagens, os entes de um paraíso perdido, por vêzes demonizados
por interpretações emanadas, como diz Eduardo Lourenço (2000:8), de uma Europa
culpada e vestida. Em suas palavras: .Neste primeiro instante inaugural, os trópicos não
eram tristes. A famosa .tristeza dos trópicos. é da decepção de todos os que, desde (...)
Colombo até Lévi-Strauss, não reconheceram na realidade do novo mundo a Natureza
mítica do primeiro olhar ocidental, aquela que a civilização vestida e pecadora da
Europa buscava para se sentir na aurora do mundo, com a sua inocência e a sua
imaginária felicidade..
Estas leituras espelhadas, no plano liso das cartas, seduzem e assustam, sendo
assim gerado o estranhamento que nos transporta para o vórtice sempre renovado do
olhar externo3. Este estranhamento introduz um viés de distanciamento na obrigação,
continuamente reproduzida, de sermos analistas de nós mesmos; permitindo recordar,
de forma aqui conjunturalmente deslocada, as palavras de Flávio Venturi em .Eu,
caçador de mim.: .Por tanto amor, por tanta emoção / a vida me fez assim doce ou
atroz, manso ou feroz / eu, caçador de mim / preso a canções, entregue a paixões / que
nunca tiveram fim / vou me encontrar longe do meu lugar / eu, caçador de mim.. No
caso brasileiro, o frequente retorno de questões do tipo: que país é este? que sociedade é
esta? denota a ânsia por um olhar inaugural pleno e não mistificador, cuja possibilidade
de instauração encontra-se perdida para sempre.
Fonte;
Por uma cartografia da ação: pequeno ensaio de método *
Ana Clara Torres Ribeiro, Alice Lourenço, Laura Maul de Carvalho
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