sábado, 26 de março de 2011

Respeito a Homoafetividade

NOTA OFICIAL CONTRA A VIOLÊNCIA HOMOFÓBICA O Grupo de Lésbicas, Gays, Bissexuais Travestis (LGBT) – LIBERDADE, que tem por finalidades as lutas pela conquista e garantia dos direitos humanos plenos das pessoas, considerando sua orientação afetivo-sexual, e contra quaisquer formas de discriminação, sejam elas jurídicas, sociais, políticas, religiosas, culturais, econômicas ou de gênero, vem, por meio desta tornar público o repúdio ao fato ocorrido no último dia 15 de março às 19 horas, no Auditório do Bloco J da Universidade Regional de Blumenau (FURB). Fato este que contou com o incentivo do presidente do Diretório Central dos Estudantes da FURB - Jeferson Thiago Schwerz – para que alguns estudantes praticassem ato de Homofobia ao proferirem em coro a palavra “Bicha, Bicha” ao Coordenador do Grupo LGBT de Blumenau LIBERDADE, Lenilso Luis da Silva. O incentivo do DCE da FURB a práticas homofóbicas é uma grave demonstração de intolerância que deve ser combatida. O episódio demonstra que a banalização da violência e o preconceito contra homossexuais ainda é forte mesmo entre os estudantes que tem acesso ao ambiente universitário. Diariamente, lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBT) sofrem violência desta natureza em nossa cidade e na universidade. E pior, a cada dois dias, em média, uma pessoa LGBT é assassinada no Brasil, em razão de práticas homofóbicas. Portanto, O Grupo LGBT LIBERDADE vem se manifestar, mais uma vez, pelo fim imediato de toda e qualquer violência homofóbica, e pela promoção de uma cultura de paz e respeito à diversidade, conclamando: 1. Que a Universidade tome as medidas cabíveis e apure os fatos deste crime de violência cometido, identificando e punindo exemplarmente os culpados, sem deixar os crimes impunes. A impunidade gera mais violência; 2. Que a Universidade promova a educação para o respeito à diversidade sexual, para que as novas gerações e alunos possam aprender a conviver e respeitar as diferenças; 3. Que a sociedade blumenauense se conscientize da gravidade do problema da homofobia e da difusão de preconceitos. E que Universidade aja para garantir direitos e reprimir exemplarmente atitudes de violência e discriminação. Precisamos dar um basta a todo e qualquer tipo de preconceito. Vivemos em um país e cidade democrática, onde a igualdade e a não-discriminação são preceitos fundamentais. Esta violência há de parar. Grupo de Lesbicas, Gays, Bissexuais Travestis – Liberdade (anexo Nota e Boletim de ocorrência) Lenilso Luis da Silva Movimento Consciência Negra de Blumenau - CISNE NEGRO Grupo LGBT - LIBERDADE "...Por um mundo onde sejamos socialmente iguais, humanamente diferentes e totalmente livres!" Rosa Luxemburgo

sexta-feira, 18 de março de 2011

Mudanças no Código Florestal podem aumentar tragédias

Mudanças no Código Florestal podem aumentar tragédias

Rede das águas

Idéia brilhante para a Amazônia e o Nordeste Convite. Entidades se organizam contra empreendimentos no Litoral Sul Cidadãos defendem a mata de Santa Genebra Peixes mortos no Reconcavo Baiano Casas próximas ao Tietê serão demolidas

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Atenção: Votação poderá acontecer em março, a CNA, por meio de sua presidente e senadora, corre em busca de apoio para conseguir levar ao Plenário da Câmara Federal as mudanças propostas para o Código Florestal e que podem potencializar os riscos de novas tragédias climáticas no Brasil.

A líder da Confederação de Agricultura e Pecuária do Brasil - CNA - teme que o Governo Federal envie à Câmara outra proposta que vem sendo elaborada no Ministério do Meio Ambiente, o que demonstra que não há segurança em torno da proposta do deputado Aldo Rebelo, nem no Governo, nem junto as lideranças das bancadas dos partidos no Congresso.

Vários setores da sociedade, como comunidade científica, CNBB, Procuradores Federais, Ministério Público, gestores de meio ambiente, saneamento básico, planejamento urbano, especialistas das áreas de saúde e defesa civil, recursos hídricos e ongs manifestam apoio a manutenção da Legislação Ambiental e não querem a votação do projeto do deputado Aldo Rebelo.

Se a proposta fosse boa e de interesse da sociedade não haveria motivo para ampliar a discussão. Com a Lei da Mata Atlântica esperamos 18 anos e promovemos ampla mobilização.

Acompanhe. www.frenteambientalista.org

quarta-feira, 16 de março de 2011

Ordem e Progresso. Horror e Escárnio

Em resenha produzida originalmente para o Le Monde Diplomatique, Marcelo Mirisola escreve sobre o livro “Segredo de Estado – o Desaparecimento de Rubens Paiva”, de Jason Tércio Marcelo Mirisola* Às voltas com a produção de um novo romance e uma peça de teatro, Marcelo Mirisola suspendeu por uns tempos a publicação de suas crônicas no Congresso em Foco. Este sábado, porém, ele retorna momentaneamente, com um texto que escreveu originalmente para o jornal francês Le Monde Diplomatique. Trata-se de uma resenha do livro de Jason Tércio, “Segredo de Estado – o Desaparecimento de Rubens Paiva”. O texto foi publicado no Le Monde Diplomatique com a supressão de um trecho que Mirisola julgava muito importante. Por isso, ele agora publica abaixo a resenha na íntegra, da forma como a escreveu. É esse o texto que segue abaixo: Muito difícil escrever sobre o desaparecimento de Rubens Paiva. Como se eu fosse mais um a entrar sem pedir licença e grosseiramente revolver a ferida aberta há quarenta anos, uma chaga que é a história de Eunice Paiva e dos seus filhos, e também história do Brasil. Há quarenta anos que a privacidade da família Paiva não existe. Duas cartas vindas do Chile foram interceptadas pelo CISA, órgão de inteligência da aeronáutica. A primeira agradecia “Raul” por um favor, e pedia qualquer miudeza em troca; e a segunda - endereçada a “José” - tratava da fuga de presos políticos e de uma proposta de se criar em Santiago uma seção internacional do MR-8. Rubens Paiva, cujo codinome era “Raul”, contava apenas 41 anos quando o estado brasileiro o sequestrou. Diante da tosquice dos militares da época, fica difícil dizer que houve um engano, mais correto seria dizer que Paiva levou azar. Muito azar. O telefone de “Raul” constava numa das cartas. O ex-deputado fazia parte de uma rede de empresários, professores, profissionais liberais, cuja maioria – segundo Marcelo, filho de Rubens - não defendia a luta armada. Isso, porém, não queria dizer se omitir diante da ditadura que vigorava no Brasil. Rubens Paiva mandava relatos às agências internacionais sobre torturas e violação dos direitos humanos, escondia perseguidos, arrumava passaporte falso, resistia como podia. Deu muito azar. Se em vez do telefone dele constasse o número de qualquer outra pessoa, digamos Fernando Henrique Cardoso, que na época era professor da USP, amigo de Rubens e “comunista” como ele, se na carta interceptada, constasse o telefone de FHC, hoje Rubens teria 81 anos e FHC provavelmente não seria o último tucano a voar no Brasil. Aqui e agora, fica difícil imaginar um FHC armado até os dentes e disposto a morrer pela causa vermelha. Mas em 1971, no auge do período repressivo, os milicos imaginavam comunistas infiltrados em qualquer lugar, até mesmo no Leblon e de frente para o mar. Av. Delfim Moreira 80, esquina com a rua Almirante Guimarães. Eis o endereço do terrorista sanguinário chamado Rubens Paiva, pai de 5 crianças, empresário bem-sucedido da construção civil. No dia do sequestro seu plano subversivo – vejam só - era ir ao Flag (boate perto de sua casa) com a esposa e um casal de amigos. Era dia de São Sebastião, padroeiro da cidade do Rio de Janeiro. Aliás, é engenhoso o paralelo que Jason Tércio, autor desse livro extraordinário, traça entre o santo martirizado e o sumiço de Rubens Paiva. Vamos à missa, portanto. Igreja dos Capuchinhos, Tijuca. Em determinado momento, o frade provoca o coronel Tigre (personagem muito bem-construído), e diz: “A coragem foi uma das principais características deste santo. Ele ajudava os cristãos perseguidos e assumia a sua fé sem temer as consequências. Se fosse um cristão fraco, de fé leviana, teria fugido para bem longe, ou abjurado, e se acomodado. Ele não. Continuou a evangelizar e também a criticar Diocleciano pelas injustiças cometidas contra os cristãos”. Basta trocar Sebastião por Rubens, cristão por democrata e Diocleciano por Médici, que o prato está servido. Se fosse o caso, o cel. Tigre torturaria o santo até ele admitir que seus companheiros de armas conspiravam contra o capitalismo e que ele, de santo, não tinha nada: era um comunista safado desde a infância em 288 DC e, além disso, um traidor da “revolução” e - é claro - devia saber do paradeiro de Carlos Lamarca. “Segredo de Estado – o desaparecimento de Rubens Paiva” é um livro de ficção, e é também uma reportagem. Segundo o autor, 80% verdade, 20% inventado. O leitor sente-se eletrocutado, pendurado num pau-de-arara, dói. O brigadeiro Karlos Brenner, por exemplo, não sai da minha memória: “personagem” que carrega divisas e cadáveres sobre ombros largos. O escárnio prevalece sobre a ficção. Depois de 2 dias barbaramente torturado na masmorra do DOI-Codi, Rubens Paiva morre. O que fazer com o corpo do comunista? Talvez seja essa a parte mais asquerosa da “ficção”, elaborada curiosamente pelo Estado Brasileiro. Apesar da inverossimilhança, O Globo, JB, Tribuna da Imprensa, O Dia chancelam a versão dos militares - segundo a qual o terror havia libertado o “subversivo” Rubens Paiva quando ele era transferido pelas “autoridades” para uma delegacia no Alto da Boa Vista. A meu ver, os que divulgaram essa mentira são tão criminosos quanto os Brenners, Tigres, Coiotes e outros personagens fictícios e não tão fictícios que se misturam a depoimentos, fatos e fotos ao longo do livro. “Segredo de Estado” esmiúça, derruba a farsa e provoca a consciência do leitor – eu particularmente me senti envergonhado, por mim e por aqueles que ainda hoje consomem as informações vindas dos mesmos veículos de comunicação que ajudaram a matar Rubens Paiva, corrompidos ontem, hoje e desde sempre. Verdade que os brucutus evoluíram, embora continuem truculentos e às vezes tenham algumas recaídas, como no recente caso de Maria Rita Kehl – demitida por “delito de opinião”. Todavia, hoje, os Tigres e Chacais mudaram os métodos. Aprenderam a não rosnar. O que era manual de instrução de tortura virou portfólio. Só para refrescar a memória e ao mesmo tempo traçar um paralelo. O apresentador do Programa Metrópolis, Cadão Volpato, é o mesmo que fez o release do projeto Amores Expressos para a Cia da Letras e vendeu a idéia de que Rodrigo Teixeira era o novo Quixote da cultura brasileira. A Folha de São Paulo não só comprou a farsa como a festejou na capa da Ilustrada. Lembram disso? Renúncia fiscal para mauricinho escrever história de amor em Paris, Roma, Nova York. Agora, vamos fazer um exercício de imaginação. Voltemos ao começo dos 70’s. Um ano depois de o Brasil ter conquistado a Copa do Mundo no México. Se Teixeira e Volpato contassem trinta e poucos anos em 1971, qual seria o “projeto expresso” deles? Uma aproximação descabida? Então, hoje, onde estariam os Tigres, Coiotes e Hienas? Tenho um palpite. Procurem no Brasil profundo, eles adoram “mapear a periferia”, são líricos e desencanados, curtem samba de raiz e desfilam havaianas na Flip, cobram juros astronômicos e nem parecem banco, são charmosos, cinematográficos e ilustríssimos, mas não se enganem, a finalidade dos Abutres continua a mesma: expurgar, censurar e eliminar qualquer um que se atreva a passar pelo caminho fofo e colorido deles. Depois de 40 anos, a boa notícia é que alguns jornais e revistas faliram e outros estão com os dias contados, a má notícia é que a Internet pulveriza tudo, inclusive as boas notícias. Vejam só o que, à época, o “imortal” Murilo Melo Filho, uma espécie de Cadão Volpato dos milicos, escreveu na revista Manchete: “Há quatro dias aquela delegacia policial estava sob severa vigilância dos subversivos. Mediante infiltrações e informes seguros, sabiam eles que Rubens Paiva – um homem importante dos quadros da ALN. – seria removido para outra delegacia que oferecesse maior segurança. Ele havia mandado pedir aos companheiros que o resgatassem a qualquer preço (...). O cerco, o bloqueio da estrada naquele ponto estratégico do Alto da Boa Vista, tudo enfim, deu aos policiais a exata noção de um plano ardiloso, tático, inteligente e de perfeita execução”. Àqueles que consentiram/ consentem, se omitiram/omitem, calaram/calam, fingiram/ fingem que estava/está tudo bem, desejo o fogo do inferno e um chá com Murilo Melo Filho na ABL. Dias depois de Rubens Paiva ter morrido sob tortura, Eunice e a filha também seriam sequestradas e torturadas. O corpo do ex-deputado não foi encontrado até hoje. Depois de oito anos, em 79, a lei da Anistia iria apagar da memória dos brasileiros os horrores daquela época, como se a memória também fosse um inimigo a ser exterminado. Aqui, diferentemente do Chile e da Argentina, os assassinos (de ambos os lados) continuam livres e impunes. Aqui no Brasil, o horror e o escárnio continuam sendo sinônimos de ordem e progresso. * Considerado uma das grandes revelações da literatura brasileira dos anos 1990, formou-se em Direito, mas jamais exerceu a profissão. É conhecido pelo estilo inovador e pela ousadia, e em muitos casos virulência, com que se insurge contra o status quo e as panelinhas do mundo literário. É autor de Proibidão (Editora Demônio Negro), O herói devolvido, Bangalô e O azul do filho morto (os três pela Editora 34) e Joana a contragosto (Record), entre outros. Fonte:
Outros textos do colunista Marcelo Mirisola*

sábado, 5 de março de 2011

Entrevista Tom Zé: “Não faço música, faço rebeldia”

Participaram Cecília Luedemann, Débora Prado, Hamilton Octavio de Souza, Lúcia Rodrigues, Lucia Tavares, Otávio Nagoya, Paula Salati, Tatiana Merlino. Mais uma vez a revista Caros Amigos faz entrevista com o músico, compositor, arranjador e cantor Tom Zé, considerado um dos mais criativos e originais da música popular brasileira. Nascido em Irará, interior da Bahia, integrante do movimento Tropicália, radicado em São Paulo há muitos anos, Tom Zé mantém uma fértil e excelente produção musical, está em plena forma artística aos 74 anos de idade e arrasta um grande público – especialmente entre os jovens. Nesta entrevista, divertida, irreverente e instigante, ele impressiona pela sagacidade e profundidade de suas análises. Fiquem com a arte, a cultura e a rebeldia de Tom Zé. Cecília Luedemann – Você poderia começar falando do seu trabalho atual. Tom Zé – Eu queria pedir uma coisa a vocês. Como a minha práxis não é o discurso... Eu e a Neusa somos assinantes da Caros Amigos e lemos apaixonadamente tudo. Aí, eu falei com Neusa: “Nossa, se eu pudesse dar uma entrevista, não como se eu fosse um professor, como eu fosse o maluco que eu sou, mas que tivesse a capacidade de uma pessoa cuja a práxis é o discurso.” Isso não é o meu métier. Então, eu vou pedir a vocês que entremos num barato de seguir um certo leitmotiv e, nessa coisa, todas as inteligências aqui somam para tornar isso fácil para o leitor. Porque eu me preparei. Foi a única vez na minha vida que eu me preparei para uma entrevista. Ontem, eu estava trabalhando, parei para dizer: “Eu preciso ter uma coisa pelo menos organizada. E, aí, a gente poder entregar, honestamente, a essas pessoas que leem - vocês, como nós -, uma coisa razoável.” Cecília Luedemann – Como é a experiência de criação da sua música de raiz brasileira com o diálogo universal? Olha, você acabou de falar uma coisa que é o que eu aprendi com Neusa [esposa e empresária de Tom Zé] e com David Byrne, um compositor e multiartista, que tem certa sensibilidade internacional: “Para a sua música poder tocar no exterior, você precisa fazer música brasileira, mesmo.” Eles não compram o que eles já tocam bem. Eles não compram imitações. Tem um episódio que explica isso de uma maneira bem fácil. Nós estávamos em Londres para fazer o Barbican e o rapaz da Trama, o Kid Vinil, disse assim: “Puxa, vida, vocês sabem o que eles fizeram? Pagaram o dinheiro todo e mandaram embora.” Eles ouviam falar em DJs brasileiros. É claro que eles pensaram assim: “Puxa, DJs do Brasil. Aquele país onde a música é tão rica quanto dos Estados Unidos.” Porque hoje eles dizem isso na Inglaterra: “Olha, deve ser uma coisa curiosa.” Então, eles pegaram os DJs e contrataram para fazer quatro shows ali naquelas cidades, perto de Roma. Justamente o Kid Vinil chegou para gente e disse: “Eles viram o primeiro show, pagaram os quatro shows e mandaram embora.” Por que? Por que os DJs estavam tocando uma versão mais diluída do que eles mesmos fazem. Isso é uma coisa incrível. Eles esperavam que os DJs fossem brasileiros e os DJs imitavam o americano e o inglês. Para mim, não foi dito diretamente. Mas a Neusa sempre dizia: “Isso quer dizer que você para poder tocar lá tem que ser brasi- leiro.” Esse é um dos segredos. Agora, isso puxa um assunto que a Neusa e eu calculamos como ia ser esta entrevista. {Risos} Tudoé possível de alguma forma. A gente calculou que vocês iam começar perguntando sobre o começo. Neusa Santos – É por causa das entrevistas que vocês fazem. Hamilton Octavio de Souza – As entrevistas da Caros Amigos são assim... Mas, no meu caso, o começo é o fim. Eu tô eternamente no começo. Então, eu queria propor uma ideia, se vocês toparem. É uma ideia que eu ponho na mesa. Se vocês aceitarem, apontem as antenas para essa ideia, porque vai ser uma coisa boa. Como se fosse um time de futebol. Hamilton Octavio de Souza – Qual é a proposta? A proposta é a seguinte. Como o meu começo é o meu fim, quando eu estou aqui no começo, eu estou aqui no fim. Toda hora que meu fim é posto em cheque, eu vou no começo saber o que tem de errado. Porque eu sou “vítima”... E é um episódio que, se eu conseguir tratar, vai mostrar como a música brasileira foi trabalhadora em desenvolvimento da virulência do país. Rapaz, só para dar uma pitada do que vai acontecer. Eu tava lá. Eu tava na Idade Média. Eu nasci em 1936, num lugar que era Idade Média, do ponto de vista de procedimento e tempo. As relações metafísicas, as relações religiosas, as relações de amor, as relações de trabalho, as relações de família, as relações de brincar, as relações de estudar. Tava tudo, metafisicamente, moçarebe, que é o tipo de infância dos nossos avós. Alain Resnais, um cineasta francês, diz que de 0 a 2 anos de idade é a fase em que a criatura humana, nós, carne e osso, cabeça, destino e tudo, mais aprendemos. Nunca se aprende com tanta intensidade nem com tantos dados que de 0 a 2 anos de idade. A gente é mais rápido que um computador de 0 a 2 anos de idade. O cineasta francês Alain Resnais fez um filme para provar isso, porque de 0 a 2 anos de idade a placa mental está completamente virgem. Qualquer coisa que bata ali faz um sinal, grava, e aí você pega um combustível que dificilmente vai ser deteriorado para o resto da vida. Rapazes e meninas, e eu com 0 a 2 anos de idade tive uma sorte. Eu, Caetano, Gil, Torquato Neto, Glauber Rocha. Olha o lugar que a gente nasceu. Cecília Luedemann – A creche tropicalista. Pode ser creche de tudo, mas como a presença da gente no mundo foi chamada de “tropicalista”... Pode ser creche de tudo. Veja bem, agora eu explico isso. Berçário dos “analfatóteles”. Nós fomos criados de 0 a 2 anos de idade sem Aristóteles. Meus senhores, vocês não podem pensar o que é uma educação sem Aristóteles. É outra concepção de mundo. Aristóteles é uma maravilha, fez tudo o que a gente pratica até hoje, mas a gente foi educado num universo sem Aristóteles. Olha, é difícil você partilhar. Se a gente for ver, Aristóteles está aqui, assim ó, em cima da gente, está em cima, está por dentro e está por fora, para tirar não dá mais. Esses donos dessa outra concepção do mundo, em nosso caso foram os árabes. Olha, como nós temos cara de árabe e judeu, cristão novo. Com 0 anos de idade. Eu, filho de seu Everton e de Dona Helena, em 1936, tinha um amigo chamado Antonio José, cujo apelido era Toinzé. Como não se botava apelido como agora se bota nos filhos das pessoas, eles botaram Antonio José para chamar de Toinzé. Então, nasço eu lá. No meu tempo, a criança ficava no berço de 0 a 2 anos de idade. Quanto menos chorasse, melhor. Entretanto, a gente tinha uma roda de professores que circulavam entre nós, jogando no nosso ouvido atento todas essas coisas que estão aqui, essa banca de preceptores babás. Quem eram os professores? Os camaradas do nordeste. Quem me ensinou isto foi [Câmara] Cascudo. A gente nunca sabe as coisas direito. Cascudo, o escritor riograndensedo-norte, me ensinou sobre os cantadores. O que a gente ouvia dos cantadores de 0 a 2 anos de idade? A gente ouvia sobre Ética, era assunto de todo dia na nossa vida, porque a gente era 3 mil almas há cento e tantos anos. Irará, população 3 mil habitantes, ano 1840, 1900... sempre 3 mil almas. Quando morria um, chegava outro no lugar. A cidade nunca crescia uma casa. Era preciso haver uma solidariedade absoluta para essas 3 mil almas não diminuírem. É uma coisa intuitiva da coletividade. Outra coisa: lá era dois anos de seca e dois anos de chuva. Na seca... Hamilton Octavio de Souza - Qual é a região? Entrada da região do Conselheiro, Irará, recôncavo, começo do sertão, perto de Feira de Santana e de Alagoinha, mais de 20 Km. Naquele tempo gastava meio dia para ir para Feira de Santana ou Alagoinha a cavalo nas estradas terríveis que tínhamos. Hoje, vai em 15 minutos. Hamilton Octavio de Souza - E sua família era de classe média? Naquele tempo, que classe média? Minha família era chamada de rica. No nordeste não tem rico, tem remediado. Até o folclore cantava: “Você me chama de rico, mas rico é Benjamin. Na feira, Seu João Marinho, no Irará Seu Pompiu”. Meu avô. “Serrinha que é ponto grande, só se fala no coronel Nenenzinho.” Meu avô era chamado de rico até pelo folclore. O que é que ele tinha? Lá não tem latifúndio. Ele tinha uma fazendinha ainda dentro de Irará e outra perto. Hoje, para o que se chama de latifúndio, a fazenda dele era um roçado, mas era chamado de fazendeiro. Neusa Santos - O que se chama de fazenda lá, na Bahia, aqui é chamado de chácara. É gozado informar isso. Lá também, um dos maiores municípios do interior do país, em tudo quanto é canto todo mundo tem “duas tarefas” de terra, de seu fulano, de seu sicrano, de seu beltrano. Plantam mandioca, feijão, para comer e plantam fumo para vender no fim do ano. Isso no meu tempo, agora mudou a monocultura. Plantam fumo, o produto que ia exportar, que era para o dinheiro da festa, o dinheiro da compra grande e para tudo. Então, quando tinha seca, estava tudo esturricado. A loja de meu pai também estaria esturricada. Os negócios todos caíam 60%. Chegava a família para a compra anual. Essa loja foi onde eu frequentei a universidade mais sofisticada da minha vida, onde eu aprendi a falar a língua da roça. Eu não sei mais falar a língua da roça agora, mas é importante quando a gente conhece duas línguas, porque a capacidade de raciocínio fica tipificada. Todo mundo fala isso. Hamilton Octavio de Souza - Você tinha tudo para ter virado coronel lá? O Renan Calheiros de Irará? Não, não dava. Minha família se dividia no seguinte. Meu avô, 12 filhos, 10 vingaram. Naquele tempo, vingar 10 já era uma maravilha. 40% era comunista. Uma coisa que ninguém esperava que fosse aparecer naquele lugar. 40% era católico e uns ficavam lá e cá. E nós, crianças, assistíamos uma coisa maravilhosa: a discussão de todas essas correntes. O mundo sem televisão, sem luz elétrica, sem rádio, pouquíssimo rádio na cidade. Depois do jantar, na casa de meu avô, ficavam, como nós estamos aqui nesse prazeroso momento. As crianças não falam nada. Criança não se metia em conversa. Pode estar em qualquer lugar que ninguém liga, contanto que esteja quieto e calado. E na mesa se falava de tudo. Na mesa tinha um cara qualquer que tinha vindo do leste europeu para fazer alguma coisa no Brasil e que falava alguma coisa de português. Estava uma semana na mesa. Um comunista que estava viajando escondido de não sei aonde e que veio para fazer uma conferência na Faculdade de Direito de Salvador tava na mesa. O vaqueiro de meu avô – para ver como as coisas eram – tava na mesa. E, naquele universo, todo mundo tinha que prestar contas do mundo através da palavra. Em Irará, praticamente não havia dinheiro. Muita coisa era no escambo, mas é claro que dinheiro tinha. Mas a moeda importante que circulava no coração e no seio do povo era a PALAVRA ! A palavra era a riqueza! Para ler a entrevista completa e outras matérias confira edição de fevereiro da revista Caros Amigos, já nas bancas, ou clique aqui e compre a versão digital da Caros Amigos.
Fonte:http://carosamigos.terra.com.br/index/index.php/component/content/article/149-edicao-167/1445-entrevista-tom-ze-qnao-faco-musica-faco-rebeldiaq