terça-feira, 31 de agosto de 2010

Raízes do Brasil - Resumo

1. Resumo da obra Raízes do Brasil, obra símbolo de uma época, foi publicada em 1936 sob a autoria de Sérgio Buarque de Holanda, quando ainda não era o “pai do Chico”. O livro, curto, claro, discreto e objetivo, divide-se em sete capítulos que, juntos, teorizam sobre nossa formação histórica e social. O capítulo 1 caracteriza a Península Ibérica assinalando que o seu desenvolvimento, por se dar em um território fronteiriço, não ocorreu da mesma forma que em outros países europeus. Esse fato deu à região uma série de características peculiares, que seriam trazidas ao Brasil no bojo das grandes conquistas marítimas. Entre esses aspectos singulares estava a cultura da personalidade, na qual o apego pelo prestígio pessoal resultava na ausência de uma moral de culto ao trabalho, diferente dos países protestantes. Daí teria origem uma outra característica importante: a fraqueza das instituições e falta de organização social. Em contrapartida, o fato de os hispânicos não conceberem uma disciplina baseada em consentimento coletivo, gerava entre eles um paradoxal senso de obediência. No capítulo 2, seguindo o paradigma das tipologias weberianas, são construídos os modelos do trabalhador e do aventureiro. O primeiro, único que poderia colonizar o Brasil justamente por possuir uma excepcional adaptabilidade, caracterizava-se por buscar novas experiências, ignorar fronteiras e viver de horizontes distantes. Já o segundo era marcado pelo esforço persistente, por conseguir tirar proveito das insignificâncias e ver antes a parte que o todo. A grande lavoura, principal unidade produtiva da colônia, se constituiu não com base em um plano preconcebido pelos portugueses, mas sim ao sabor das condições primitivas do meio. O uso de escravos foi a forma escolhida para o trabalho, o que também se adequava à repulsa lusitana pela atividade manual e contribuía para diminuir ainda mais a necessidade de cooperação entre os conquistadores. Herança colonial, o capítulo 3, tematiza a estrutura rural da sociedade colonial. O declínio da mesma se deu a partir de 1850 em função do fim do tráfico escravo, que era sua base de sustentação desde o século XVI. Nesse contexto, se estabelece uma nova dicotomia, a relação rural-urbano, que se manifesta igualmente no universo mental, onde a visão de mundo tradicional entra em conflito com valores modernos. O malogro de Mauá, em tempos onde o patriarcalismo e o personalismo eram hegemônicos, aponta para a incompatibilidade das estruturas nacionais com as práticas mais “industrializantes”. Aqui, a fazenda, vinculada a uma idéia de nobreza, ainda predomina sobre a cidade. Estreitamente ligado ao capítulo anterior, “O semeador e o ladrilhador”, um dos mais brilhantes do livro, estabelece uma nova oposição. O espanhol, ou o ladrilhador, se caracterizava por tornar suas cidades um exemplo de racionalidade, onde a linha reta obtinha o triunfo. O semeador, ao contrário, representava o português, aferrado ao litoral, que construía cidades irregulares, nascidas e crescidas sem o mínimo planejamento. A origem desses traços lusitanos era explicada pelo seu desejo de fazer fortuna rápida, dispensando o trabalho regular. O quinto capítulo, um dos mais discutidos, aborda alguns elementos que definiriam (não de forma absoluta) a identidade nacional. Apropriando-se de um conceito de Ribeiro Couto[1], Sérgio Buarque afirma que o "homem cordial" é resultado da cultura patrimonialista e personalista própria da sociedade brasileira. A nossa cordialidade enfatizava o predomínio de relações humanas mais simples e diretas que rejeitavam a polidez e a padronização, características da civilidade. A dificuldade de constituição de um Estado “civil” brasileiro se expressava no fato de que essa instituição não era (e não é) um prolongamento da família. A hegemonia de valores familiares e patriarcais, vinculadas também ao homem cordial, impedem uma distinção clara entre a noção de público e privado. O sexto capítulo debate as consequências da presença lusitana na configuração da sociedade brasileira, a partir da vinda da família real para o Brasil. Apesar do choque causado aos velhos padrões coloniais, a permanência do personalismo português determina alguns traços da nossa intelectualidade, ou seja, o conhecimento (superficial) era importante apenas na medida em que dava prestígio e diferenciação. O apego às idéias fixas e simplórias facilitava o trânsito do positivismo entre nossos pensadores. A decorrência disso na vida política correspondeu à ausência de um espírito democrático, demonstrando a necessidade de transformar o paradigma dos movimentos reformistas, feitos, até então, somente de cima pra baixo. O sentido marcadamente político da obra aparece em “Nossa revolução”, onde o autor demonstra a diferença das revoluções ocorridas aqui na América em comparação com os movimentos europeus. E no caso brasileiro, apesar do urbano ir assumindo a sua independência em face do rural, esse processo ainda não está completo. Somente quando aniquilarmos as raízes ibéricas de nossa cultura e propiciarmos a emergência das outras camadas sociais, aí sim teríamos finalmente concluído a nossa “revolução”. É evidente, nos alerta Sérgio Buarque, que ao ocorrer esse processo, as resistências conservadoras poderão surgir, no entanto, ainda podemos acreditar que uma democracia efetiva se concretize na América Latina. E é pela defesa desse ideal que o caráter político de Raízes do Brasil salta aos olhos em seu último capítulo, finalizando um trabalho de peso na nossa historiografia.
Fonte: JOBIM, André Vinicius Mossate

Análise Da Obra 'Raízes Do Brasil', De Sérgio Buarque De Holanda

http://www.artigonal.com/literatura-artigos/analise-da-obra-raizes-do-brasil-de-sergio-buarque-de-holanda-896189.html

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

História Oral sobre a localidade da Velha Central

Foto de satélite Parcial de Blumenau, englobando o Rio Itajaí-Açu e as vertentes do Ribeirão da Velha e do Garcia, Fonte: EMBRAPA.
Esse vale foi por muito tempo espaço ocupado para atividade da produção agrícola, hoje a idéia de território é muito mais urbana do que territorialidade rural, podemos verificar vestígios no local que caracterizam a ruralidade e a agricultura. A distribuição das glebas de terras entre famílias: Em 1875, Ieski, era proprietário desde o então Terminal hoje até o Incano, era acordado na época que somente famílias oriundas do alemão poderiam comprar essas terras, aos poucos foram vendidas essas terras com objetivo de povoamento, permitindo a troca de produtos desenvolvendo essa localidade longe do então centro de Blumenau que caracterizava cidade. Uma picada no moro do macaco hoje, ‘afberg’ (em alemão precisa ver a escrita certa com informantes) picada do macaco, a Velha Central que servia para caça, provavelmente essa picada a partir do Passo Manso pelo Rio Itajaí-Açú. As canoas eram o transporte que existia nessa época. Anos de 1950 e 1960, clima e desastres com furacões, geadas, seca e enxurradas: Segundo o informante Orlando Theiss 67 anos, Furacões em 1954, geadas e seca, a enxurrada de 1961, derruba potes do Ribeirão da Velha Central, Ribeirão Velha, atingindo o CCVC em um metro (1 mt), na Rua José Reuter em cinqüenta centímetros (50 cm). Economia Rural: Economia local baseada na agricultura de subsistência é forte em cerca de 15 famílias aparecem 28 sobrenomes, dos primeiros proprietários meados dos anos de 1960, na Velha central antiga propriedade de IESKI, Economia Extrativista: São quatro famílias que dominam o extrativismo madeireiro. A atividade do extrativismo da madeira tem força até os anos de 1970, já se pode ver programas do tipo ‘fome zero’ de 1962 até 1966; a maioria das famílias são da Velha Grande, local impróprio para a agricultura de subsistência, apenas o extrativismo serve como maneira de sobrevivência, as caçadas de tatu são conhecidas até hoje.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

“VOCÊ SABE COM QUEM ESTÁ FALANDO?”

Marcus e Marcia Galvão
De acordo com o escritor e sociólogo, Roberto DaMatta a frase: “você sabe com quem está falando?" expressa hierarquia e autoritarismo, já o jeitinho brasileiro, mostra o lado cordial. A solução invocada pela pessoa que usa o jeitinho jamais é a hierarquização do você sabe quem está falando?”. Outras diferenças podem ser apontadas entre as duas expressões. Você sabe com quem está falando?” representa autoridade e poder, o sujeito deixa de lado o papel de indivíduo e passa a ser uma identidade. Nem todos podem usar essa “identidade” no seu lugar - o jeitinho pode ser utilizado por todos, sem ter que lançar mão de sua identidade social. Outro aspecto é que, enquanto no jeitinho determinada situação pode terminar anônima, no ‘você sabe' essa possibilidade não existe. Como por exemplo, um policial ao ser parado em uma blitz, está irregular, sabendo que será multado, declara sua identidade e tenta exercer pressão sobre o agente de trânsito.
As duas situações são mostradas como algo que passa a acontecer mais freqüentemente em nosso meio social. O indivíduo tenta usar sua identidade social para conseguir algo, exercendo um certo autoritarismo frente às outras pessoas, esquecendo o seu aspecto de indivíduo diante a sociedade. http://ego-usinadospensadores.blogspot.com/2008/05/voc-sabe-com-quem-est-falando.html

domingo, 22 de agosto de 2010

Aproveitamento de Lodo e Esgoto

Professora universitária Cintya Rodrigues Monte fez a defesa da dissertação “Efeito Residual do Lodo de Esgoto na Cultura de Cenoura, aspectos socioeconômicos e de fertilidade”, resultado do trabalho de conclusão do Mestrado em Desenvolvimento de Processos Ambientais da Católica. A apresentação aconteceu no anfiteatro do bloco G4, às 14h30. A banca examinadora foi composta pela Profª Dra. Lúcia Helena de Brito, da Fundação Joaquim Nabuco, pelo coordenador dos curso de Engenharia Ambiental e Engenharia Química Prof. Dr. Valdemir Alexandre dos Santos e pela coordenadora de pesquisa da Católica e orientadora da dissertação, Profª Dra. Arminda Saconi. “O objetivo da minha pesquisa é a utilização do esgoto na agricultura que ajuda a minimizar os impactos do lodo jogado indevidamente na poluição ambiental, nos lençóis freáticos e na disseminação de doenças; e o uso do lodo como fertilizante rico em nutriente, sendo economicamente viável. A idéia desse trabalho é provar que o lodo pode ser usado na agricultura e na recuperação de áreas degradadas pelo homem”, explicou a mestranda. Cintya Rodrigues é aluna da quarta turma em Desenvolvimento em Processos Ambientais e primeira a defender a dissertação em apenas 12 meses. “O papel da orientadora foi fundamental para a realização das minhas pesquisas. Professora Arminda acompanhou tudo de perto. Ela é muito ética, comprometida e oferece um suporte para os alunos, além de ser muito motivadora”, afirmou, emocionada, a mestranda. “Estou realizada. Meu papel como orientadora foi cumprido. Nós sempre tentamos fazer o melhor, e foi isso que aconteceu esta tarde. Cintya correspondeu bem, enfrentou todos os obstáculos com muito êxito. Tanto que conseguimos terminar em 12 meses. Valeu a pena, graças a todo o esforço da equipe. Foi um resultado muito positivo”, afirmou a professora Arminda. “Foi uma grande ajuda que tivemos com esse trabalho. Agora, posso afirmar que não vai faltar verdura. Meu sonho em montar uma barraquinha orgânica está perto e eles estão me ajudando”, disse a moradora da comunidade Família Unida em Camaragibe, Maria Salete Souza. “Essa defesa ajudou cientificamente, economicamente e socialmente. A grande contribuição desta dissertação atendeu aos objetivos da FIUC - Federação Internacional de Universidades Católicas”, afirmou a assessora da Coordenação de Pesquisa da Unicap, Leonie Asfora.Cintya recebeu a classificação: “aprovada com distinção”. Emocionada, agradeceu à Universidade Católica de Pernambuco e, em especial, à orientadora. “Graças a Deus e à Unicap, hoje consegui terminar mais uma etapa da minha vida. É muito bom sonhar e realizar”, finalizou a mestranda.
Dissertação de Mestrado aborda o efeito residual do lodo de esgotoPor Lílith Perboirehttp://www.unicap.br/assecom2/boletim/2009/abril/boletim_17.04.2009.html

Livros

BRASIL. Assistente social: ética e direitos. Rio de Janeiro: CRSS, 2008. http://pesquisaecia.blogspot.com/2009_11_01_archive.html

LUSOFONIAS

http://www.lusofonias.net/encontros%202010/biodados%20e%20sinopses.pdf

Ética e Cidadania

CARVALHO, Luiz Carlos L. M. de, Ass. Leg. Minas Gerais, Ética e Cidadania, 2003. http://docs.google.com/viewer?a=v&q=cache:f8NU5CvbmAkJ:www.almg.gov.br/bancoconhecimento/tematico/EtiCid.pdf+BRASIL+E+OS+EFEITOS+DA+GLOBALIZA%C3%87%C3%83O+CULTURAL+E+CIDADANIA&hl=pt-BR&gl=br&pid=bl&srcid=ADGEEShLsc8iqo0wW6i7Y22WxvFUUaLXtNGc4YlNdS0XRQiCdHBw40F0aJwJUooXiB6WDjUQXtDK6EDZ5ZMPs08zXRBZ2Yyl0qal_7-1V47MVVuimxhdYPlvuVA4nq65taie5SdfgPpa&sig=AHIEtbRhEWUR8YS2Dny-J6DrOb81Eu0_7A

Comunidades Tradicionais

Carolina Giordani Kretzmann, UCS, 2007. http://tede.ucs.br/tde_arquivos/2/TDE-2007-07-17T132738Z-121/Publico/Dissertacao%20Carolina%20G%20Kretmann.pdf

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Como nasce um paradigma

Um grupo de cientistas colocou cinco macacos numa jaula, em cujo centro puseram uma escada e, sobre ela, um cacho de bananas. Quando um macaco subia a escada para apanhar as bananas, os cientistas lançavam um jato de água fria nos que estavam no chão.Depois de certo tempo, quando um macaco ia subir a escada, os outros enchiam-no de pancada.Passado mais algum tempo, nenhum macaco subia a escada, apesar da tentação das bananas.Então, os cientistas substituíram um dos cinco macacos. A primeira coisa que ele fez foi subir a escada, dela sendo rapidamente retirado pelos outros, que lhe bateram. Depois de algumas surras, o novo integrante do grupo não subia mais a escada.Um segundo foi substituído, e o mesmo ocorreu, tendo o primeiro substituto participado, com entusiasmo, na surra ao novato. Um terceiro foi trocado, e repetiu-se o fato. Um quarto e, finalmente, o último dos veteranos foi substituído.Os cientistas ficaram, então, com um grupo de cinco macacos que, mesmo nunca tendo tomado um banho frio, continuavam a bater naquele que tentasse chegar às bananas. Se fosse possível perguntar a algum deles porque batiam em quem tentasse subir a escada, com certeza a resposta seria:"Não sei, as coisas sempre foram assim por aqui...""É MAIS FÁCIL DESINTEGRAR UM ÁTOMO DO QUE UM PRECONCEITO" (Albert Einstein)
Fonte: http://www.henry.eti.br/pagina.php?IdPagina=320

Escola Pública de Velha Central - 1925

Pelos que se pode calcular são 85 anos de Escola na Velha Central, em vez de 50 anos calculados desde 1960, se apaga a História de 1925 até 1960. Se pesquisar mais poderemos encontrar outras informações de 1879 até 1925. A história de Blumenau se confunde um pouco por falta de informações, está na memória dos mais velhos, que tem depoimentos dos pais e documentos que podem desvendar esses mistérios sobre a Velha Central, que hoje tem status de Bairro, mas sempre esteve na memória dos que habitaram esse vale. Um pouco da história de Leopoldina pode fazer entender a ocupação da colônia Blumenau e em especial a Velha Central, lugar que os nosso primeiros vieram habitar por aqui em 1879. Mapa cartográfico com curva de nível, Bairro Velha Central a esquerda do mapa e Bairro da Velha e Centro de Blumenau a direita do mapa. As principais Ruas do Bairro Novo São: Rua José Reuter, Caçadores, Governador Jorge Lacerda e Johanna Hoff.
História do Brasil
Então vamos a Leopoldina quando se casa com Dom Pedro II se sente insegura no Brasil e vai Buscar na Europa em 1827 membros para sua Guarda imperial, logo depois da independência do Brasil em 1822 o imperador casa com Leopoldina. Esses primeiros ‘soldados’ oriunda de nobre da Yuguslavos; é da Austríacos, eram segurança, mais no termo de mercenários de confiança do que soldado no sentido de exercito. Cuidavam da praça o exercito da forma que conhecemos hoje surge depois da Guerra do Paraguai datam de 1860 a 1874, essa guerra sangrenta é de interesse da Inglaterra. Data 1879, Henrich Yeski da Iuguslavia eram nobres oficiais e Mestre Marcineiro. Conforme o documento datado de 1925 a Escola Pública de Velha Central - João Durval Müller, primeiro Professor era pago pelos próprios moradores para lecionar as disciplinas: Comportamento - Bertragung; Aplicação – Fleiss; Portuguez – Potuguesisch; Leitura – Lesen; Linguagem – Schreiben; Dictado – Diktad; Contos – Rechnen; Geografhia – Geographie; Educação Cívica – Erzielhung; Canto – Singen; Gymnastica – Furnen; Allemão Deutsch – Literatura - \lesen; Ling – Schreiben; Dictado – Diktad. Faltas – fehltage. A Escola Pública de Velha Central, Attestado da alunna Wally Geske durante o ano de 1925, vai assinada por João Durval Müller. O primeiro local que funcionava a Escola era na entrada do Ribeirão do Gato, antigo Centro da velha Central Depois de João Durval Müller, foram substituídos os Professores: Professoras: Maria Intuchrn, Vale Foybal. Deveria-se reconhecer Maria Silveira de Freitas foi Professora dos anos de 1950; Hercilio Deeke foi vereador até prefeito de 1951 a 1966. Depois Dina Boman, Zulma, Aldo, Mística... Primeiro Presidente da APP Cirilo Pedro Thais, segundo o filho informante: Orlando Theis, o seu Pai Cirilo Pedro Thais é oriundo da Religião Católico e a Mãe Wally Geske luterana, coforme documento estudou em 1925. Deste período de 1925 até 1950 poderemos encontrar informações sobre Escola na Velha Central.
Ocupação do território:
O Ribeirão Velho já constava no mapa da Colônia Dr. Blumenau desde 1864. As terras foram compradas pelo Dr. Blumenau que posteriormente as vendeu a Gustavo Stutzer, em 1879, quando começou a ser ocupada. O nome Velho Central denominado, por ser área central de caçar, prática de lazer que resultou no clube de Caça e Tiro Velho Central (Niels Deeke). O depoimento do senhor Helmurth Ehmke é uma comprovação viva, sobre o nome Velho Central e Velha Grande, surgiu a partir de duas lavadeiras uma alta e outra baixa, diz ele, os funcionários do antigo “Mario Torres” casa de comércio, em frente à Igreja Evangélica na Rua: João Possoa. Comentou que os pastos e roças, foram vendidos, alguns “botaram fora” o que seus pais soaram muito para adquirirem. Era uma vila agora uma cidade. Referindo-se ao desenvolvimento da localidade, as enchentes em “Blumenau” de 1983. Os mais antigos da localidade: Os Geske, os Gebien (barbeiro), os Holz, os Korte, os Kaun, os Wehmuth, os Grahl, os Hartung, os Butzke, os Thomsenn, os Weigmann, os Barthel, os Bachmann, os Germer, os Zager, os Budag, os Reuter, os Trapp, os Birr, os Babel, os Volgelbach, os Steinert, os Heidrich, os Manske, os Röpcke, os Hadlich, os Frotscher, os Rüediger, os Block, os Wachsmann, os Brehmer, os Seibt (lenhador), os Wagenknecht, os Ehmke, O senhor, Helmurth Ehmke reside desde 1956, quando chegou já tinha a Escola na Igreja Evangélica, mas viu a nova Escola até chegar no que é hoje o Hercílio Deeke.
“Em meio a numerosas propriedades, cada uma delas pelo menos quatro morgons de extensão, existe uma área consideravelmente grande que ainda permanece intocada, porque seu proprietário não permite divide-la ou vende-la. É na região do rio Velha, onde um riozinho emerge da mata virgem e alcança a luz do dia com a mesma expressão que tinha quando os primeiros imigrantes o avistaram e significativamente denominaram ”Velha”. Ao sair da densa mata, ele tem que atravessar uma longa planície antes de desembocar no rio maior e, por isso, tem uma aparência tão fatigada e deslentadora como a de uma senhora velha e cansada. Dentro, nas profundezas da selva, seu semblante é completamente diferente. Suas águas cristalinas borbulham serpenteando de pedra em pedra e de um bloco de granito a outro. Onde um raio de sol consegue, furtivamente, infiltrar-se por entre a ramagem emaranhada, suas águas claras brilham como os olhos de uma criança travessa. Aqui a magia de um conto de fadas se espalha pelo profundo silêncio da região do rio da Velha. È onde o sabiá, o rouxinol do Brasil, entoa seu canto pleno de lamento. Borboletas azuis voam oscilantes por sobre as águas, e sobre os galhos, lá no alto das árvores, colibris cintilantes zumbem e voam, vibrando de uma bromélia ou orquídea a outra. Ouve-se também o ruído de lagartos dourados esqueirando-se pelas pedras lisas do rio, enquanto antas e tapiras estendem seus grossos pés nas águas claras. Hesitantes filhotes de tigre deslizam entre os arbustos, enquanto macacos alegres balançam-se nos galhos das árvores e pássaros de colorido magnífico cantam nas lianas.Quando algum caçador consegue abrir caminho pelo denso emaranhado de bambus e taquara, pelos talos lisos de palmitos, pelos cipós e baraços das trepadeiras e samambaias da região do rio da velha”(STUTZER, p-35).

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Escola Funcionalismo – Bronilaw Malinowski

Funcionalismo

O germano-americano Franz Boas, considerado um dos pais da antropologia americana do século XX, era um cientista de formação naturalista; por isso, encarou com grande ceticismo tanto as teorias difusionistas como as evolucionistas. Boas preferiu a concepção funcionalista de uma cultura; para ele, uma cultura é um conjunto unitário que deve ser estudado em sua totalidade, e, composto, como uma máquina, de diferentes peças interdependentes. Em seus trabalhos sobre os esquimós, deixou bem fundamentada a metodologia do trabalho de campo, atividade a que seus discípulos iriam dar especial relevância. O enfoque de Boas, embora funcionalista, não deixa de estar matizado pelo historicismo, já que ele sempre se interessou pela forma como se haviam desenvolvido no tempo as instituições culturais.

Depois da primeira guerra mundial, as abordagens históricas das sociedades foram perdendo adeptos e a escola funcionalista começou a ganhar relevância. Bronislaw Malinowski, seu mais eminente representante, sustentou que o objetivo da pesquisa antropológica deve ser a compreensão da totalidade de uma cultura, inseparável da percepção da conexão orgânica de todas as suas partes. A comparação entre culturas e a abordagem histórica não têm sentido para Malinowski; só faz parte de uma cultura aquilo que, no momento em que se estuda, tem nela uma função. A única maneira de perceber um elemento de uma cultura é analisar a função que tem esse elemento dentro dela. Não se pode compreender uma instituição social sem conhecer suas relações com as outras instituições da mesma sociedade. As atividades econômicas, o sistema de valores e a organização de uma sociedade constituem um complexo inter-relacionado cuja descrição é necessária para que se possa estudar adequadamente essa sociedade.

Dentro da tendência funcionalista, a escola sociológica francesa, encabeçada por Émile Durkheim, teve notável influência sobre o pensamento antropológico. Em Règles de la méthode sociologique (1895; Regras do método sociológico), Durkheim deixou bem estabelecido que, no campo social, existe um aspecto da realidade que vai além dos simples comportamentos individuais. É preciso, portanto, estudar os fatos sociais como se fossem coisas em si, independentes da consciência dos indivíduos que formam a sociedade.

O intelectualismo analítico e a concepção da sociedade como um todo orgânico, como um sistema - características da escola sociológica francesa --, ao lado da tradição empirista, que busca fatos -- marca das escolas anglo-saxônicas e, em parte, da germânica - são talvez as duas bases fundamentais em que se assenta a moderna antropologia social.

Síntese do Funcionalismo

O Sistema Social:

1. As peças que o compõem são mutuamente dependentes 2. Elas contribuem para o bom funcionar do sistema 3. eequilíbrio, ainda que sempre em movimento; o distúrbio induz a uma contra-reação para manter o equilíbrio manter o equilíbrio Propriedades do sistema a que as peças contribuem: 1. Adaptação (economia) 2. Integração (cortes de justiça; polícias; lei) 3. Manutenção do teste padrão e gerência da tensão (família; instrução; a cultura contribui ao para o compromisso do papel da socialização) 4. Realização de objetivo (política)

A estratificação social é definida como: "classificação diferenciada dos indivíduos humanos que compõem um sistema social dado e seu tratamento como superior ou inferior relativo a um outro em determinadas situações sociais importantes" (Parsons, Aproximação Analítica ao Estrato Social, p. 69) Linha central fundamental da estratificação: atribuições versus realização: 1. O status atribuído: resultados do nascimento ou das qualidades biológicas hereditárias (por exemplo idade, sexo) 2. O status alcançado: resultado das ações pessoais (esforço, trabalho duro, talento) Avaliação Moral Expectativa feita na base da avaliação moral, tendo por resultado graus de respeito ou de desaprovação (status) Seis bases da avaliação moral diferencial: 1. Sociedade na unidade do parentesco (pelo nascimento, pela união) 2. Qualidades pessoais (sexo, idade, beleza pessoal, valor e força da inteligência) 3. Realizações (resultado de ações do indivíduo) 4. Possessões (coisas materiais e não-materiais que pertencem a um individual e pode ser transferida) 5. Autoridade (reconhecimento institucional, direito legítimo para poder influenciar as ações de outras) 6. Poder (habilidade de influenciar outros e fixar possessões que não sancionadas institucionalmente) Grupos de parentesco como unidades de estratificação "o status da classe de um indivíduo é a sua classificação no sistema do estratificação. O que pode lhe ser atribuído em virtude daqueles de seus laços de parentesco que o ligam a uma unidade na estrutura da classe" (77-8) Dois aspectos dominantes da estratificação americana: 1. Ocupação: critérios universais; status conseguido; não determinado pelo nascimento; igualdade de oportunidade 2. Parentesco: status atribuído a alguém determinado pelo nascimento Contradição entre a ocupação e o parentesco: Parsons: "No sistema americano de estratificação, não permitia-se às mulheres competirem nos mesmos fundamentos de igualdade para trabalhar como o que rege o dos homens; se não, isto ameaçaria a estabilidade da família, e da própria sociedade" (esta observação de Talcott Parsons entende-se como feita antes do movimento feminista dos anos 60 iniciar a sua luta pela aprovação da Emenda da Igualdade).

Fonte:

http://www.estudantedefilosofia.com.br/conceitos/funcionalismo.php http://www.acacio.kit.net/sociologia04.htm

10- Formação da Sociologia Brasileira – Octavio Ianni

ntrodução

Octavio Ianni é, sem favor, um dos fundadores da sociologia no Brasil e um dos expoentes da “escola paulista de Sociologia”. Com uma obra que chega a trinta livros publicados, ele nos revelou alguns traços e características fundamentais do Brasil moderno.

Uma rápida análise de seus títulos indica todo um processo de busca de uma interpretação totalizante da realidade social, política, econômica e cultural do país, uma agenda diversificada, abrangente, muito preocupada e atenta à teoria sociológica e seus desdobramentos, evoluções e rupturas ao longo do século XX.

E sendo um pensador marxista, por certo um marxismo não dogmático, aberto, jamais descurou do diálogo com outras correntes do pensamento nas ciências sociais, preocupado com o rigor teórico-metodológico de suas reflexões.

No princípio de sua carreira dedicou-se às questões étnicas, raciais, na esteira de Florestan Fernandes, e nos contemplou com trabalhos como Cor e mobilidade social em Florianópolis, de 1960, e já em 1962 publicou o seu clássico Metamorfoses do escravo. Alguns anos depois, em 1978, foi a vez de Escravidão e racismo, ressaltando as relações entre capitalismo e as formações sociais escravistas.

O segundo tema forte de Ianni diz respeito à Industrialização e ao desenvolvimento Social no Brasil, de 1963, seguindo-se obras complementares tais como Política e revolução social no Brasil, de 1965, Estado e capitalismo no Brasil, ainda em 1965 e o também clássico Colapso do populismo no Brasil, de 1968 [1].

Nos anos 70 amplia o seu escopo e interpretação para dois temas que também foram constantes na sua sociologia política, a natureza do Estado e a América Latina, desenvolvidos em A formação do Estado populista na América Latina, de 1975. Já não lhe bastava explicar o Brasil; para captar a dinâmica do capitalismo, era necessário cotejar as nuanças do Estado na região. Este interesse lhe garantirá um diálogo estreito com diversos intelectuais latino-americanos e o acompanhamento de sua obra em língua castelhana.

Neste período, com a sucessão de regimes militares ditatoriais no espaço latinoamericano, escreveu sobre Imperialismo e cultura, em 1976 e sobre A ditadura do grande capital, em 1981. Em 1983, período da crise da dívida externa, que se inicia pelo México e pelo Brasil, escreve livro intitulado Revolução e cultura. A cultura e a literatura passarão a temas constantes de seus interesses. Escreverá Ensaios de sociologia da cultura, em 1991.

Ainda nos anos 80 publicará o Ciclo da revolução burguesa, que trataremos em detalhe neste artigo, em 1983, e Classe e nação, de 1984, novamente o labirinto das formas históricas da sociedade latinoamericana e a quase obsessão de Ianni sobre o papel da burguesia que forma a nação segundo sua imagem e confere a esta uma fisionomia onde o povo se vê relegado [2]. Aqui retoma os temas diletos sobre as formas burguesas na periferia, sobre o populismo, o industrialismo, os militares, sobre as (im)possibilidades da revolução socialista na América Latina.

Finalmente, a partir dos anos 90, impactado pelas mudanças ocorridas no capitalismo central, enfrenta o tema da globalização, ao qual dedicará a maior parte de seu esforço de vida, no sentido de conhecer suas teorias, seus desafios, agora não mais apenas pelo subsistema periférico, mas pelo sistema-mundo, fustigado pela hegemonia financeiro-militar dos Estados Unidos da América do Norte. Apontando os temas diletos de Octavio Ianni, last but not the least, o seu empenho em consolidar a sociologia brasileira enquanto campo científico, as suas reflexões sobre o fazer da ciência, sobre a epistemologia científica, em livro importante que aborda A Sociologia da sociologia, de 1989, como quem afia seus instrumentos de trabalho, tal qual um polidor de lentes.

Quando o Prof. Manoel Correia de Andrade, à frente da cátedra Gilberto Freyre do CFCH-UFPE nos convida e estimula para rediscutirmos o pensamento social brasileiro e para repensar o Brasil, por certo a figura de Octavio Ianni aparece em toda sua grandeza. E é lamentável que a juventude brasileira e os cursos de Sociologia pelo Brasil afora tenham “deixado de lado” obras fundamentais e estruturadoras de uma compreensão sobre as transformações sociais do Brasil no século XX, de autores como Caio Prado Jr., Florestan Fernandes, Antonio Candido, Nelson Werneck Sodré, Josué de Castro, Guerreiro Ramos, Roland Corbisier, e, por certo, Octavio Ianni está entre eles. E uma sociedade é tanto mais para si quando seus intelectuais deixam as cátedras universitárias e passam a ser lidos e discutidos pelos comuns dos mortais.

O ciclo da revolução burguesa

O desenvolvimento capitalista associado e dependente criou o seu próprio padrão de articulação política aos níveis continental e mundial. Florestan Fernandes, Poder e contrapoder na América Latina (1981).

O motivo da escolha de análise deste pequeno livro é o de tratar-se de obra onde, além de sintetizar um bom número de seus temas diletos, explicita algumas de suas teses, reflete sobre a história e as formas que passam a tomar o Estado brasileiro, da monarquia ao fim do regime militar na segunda metade do século XX.

Publicado em 1983 e logo reeditado em 1984 pela Vozes, estrutura-se em três partes articuladas: a Revolução Burguesa, Ordem e Progresso e Populismo e Militarismo, e pretende responder a uma questão central: qual o caráter da revolução burguesa no Brasil?

É interessante observar como Octavio Ianni se vale de uma rica bibliografia – que abrange a política, a economia, a sociologia, o jurídico, o cultural, mas também da literatura, com Euclides da Cunha, Machado de Assis, Lima Barreto e Graciliano Ramos, para responder ao seu leitmotif. Tampouco será demasiado chamar a atenção do leitor par uma de suas características marcantes como escritor, que é o uso sistemático de fontes variadas, citadas como elemento de prova ou ainda de diálogo que estabelece com estes autores, sempre valorizando o ângulo novo do trabalho referenciado, sem jamais fazer uso de modismos ou de incensamento, pois, como assinalou Marco Aurélio Nogueira, “era o contrário da arrogância e da insolência” [3].

O livro em questão também nos revela uma especificidade da metodologia de trabalho de Octavio Ianni, que é a sua macrossociologia. Embora articule os seus temas a partir de uma ampla estrutura social e da relação que estabelece entre seus elementos, raramente recorrre ao recorte micro, celular da sociedade analisada.

Em sua análise da monarquia e da oligarquia brasileiras, Ianni introduz a persistência do caráter autoritário do poder estatal no país, apontando, desde a Independência, a reiteração das soluções autoritárias, pelo alto, que estruturam o estado brasileiro segundo interesses oligáquicos, burgueses e imperialistas. E afirma: “o que se revela, ao longo da história, é o desenvolvimento de uma espécie de contra-revolução burguesa permanente” [4]. E aponta Frei Caneca, já em 1824, denunciando o caráter antidemocrático da constituição outorgada por D. Pedro I; mais adiante, Quirino dos Santos em 1869, ao afirmar que o povo não aparecia nas cogitações dos governantes. Em 1877, Tobias Barreto, que lamentará que o povo não tivesse forças para se afrontar com o Estado organizado, que não é a nação, pois o povo permanece “amorfo” e “dissolvido”.

Este desleixo só se alterava no momento de reagir negativamente às reivindicações populares, donde a repressão no Nordeste, no Rio Grande do Sul, no Rio Grande do Norte, todas elas violências cometidas na década de 1870 e que irão culminar em Canudos, em 1897. Sob vários aspectos, conclui Ianni, “a brutalidade do estado monáquico foi a contrapartida das reivindicações, protestos e lutas de forças populares no campo e na cidade” [5].

A República, segundo nosso sociólogo-político “adquiriu fisionomia oligárquica, corporativa, populista, militar”. E “a despeito das formas jurídico-políticas estabelecidas nas constituições republicanas, a verdade é que o poder estatal tem sido exercido de modo autoritário ou ditatorial, quando não fascista” [6].

Ianni ressalta com argúcia as teses ora racistas, ora patrimonialistas, ou ainda as intepretações que pregavam a conciliação pelo alto como forma de condução do Estado. Desde o “grande número de mestiços, votados a uma perpétua anarquia, que só seriam controlados por uma mão de ferro” [7], ao Estado forte necessário para se impor às camadas perigosas. E aqui encontramos um trecho da lavra crítica, cortante e mal-humorada de Graciliano Ramos, mas não menos justa, a dissertar sobre os Três poderes da República: “Possuímos, segundo dizem os entendidos, três poderes – o executivo, que é o dono da casa, o legislativo e o judiciário, domésticos, moços de recados, gente assalariada para o patrão fazer figura e deitar empáfia diante das visitas” [8].

Sobre a Revolução de 30, o nosso autor diz que ela expressa um novo arranjo de classes, do ponto de vista do estado, mas que teve um cunho contra-revolucionário, impedindo a ascensão das forças populares. Consolida-se um bloco industrial-agrário compondo os interesses do café, da indústria, do comércio, do imperialismo.

Muito embora concordando com a análise que Ianni faz dos efeitos e desdobramentos da Revolução de 30 e do Estado Novo, creio que exagera ao utilizar a mesma interpretação com respeito ao período 1946-64, que segundo ele incutiram “conotações autoritárias no aparelho estatal” [9]. Por certo, assim foi o período Dutra, quando fechou o Partido Comunista e cassou os seus deputados. Mas a análise não faz justiça à continuidade do processo e aos governos de Vargas, Juscelino e Goulart. O professor afirma que havia espaços democráticos em cidades como o Rio de Janeiro, mas não em Recife ou Salvador, mas penso, há uma leitura apressada quanto ao que representou o movimento social urbano e rural no Nordeste do país e mesmo quanto a força das Ligas Camponesas, que desmentem a interpretação do sociólogo.

Não obstante estas pequenas discordâncias, a conclusão mais geral do autor é correta, quando afirma que, “a despeito das experiências democráticas reais, independentemente da forma jurídico-política de poder estatal delineada na constituição, a verdade é que o autoritarismo predomina ao longo da história do Brasil” [10]. De fato, são os mitos que trabalham, que operam em favor dos setores sociais dominantes, que controlam o Estado, o imaginário, que fabulam o caráter não violento de nossa história, o mito da “democracia racial”, da harmonia entre capital e trabalho.

Ordem e Progresso

Façamos a revolução antes que o povo a faça. Antonio Carlos, 1930.

Essa revolução de cima para baixo não é somente possível, mas, sobretudo, necessária. Luís Vianna Filho, 1980.

Oliveira Vianna é uma expressão forte deste conservadorismo brasileiro, onde bate forte o positivismo, a necessidade hobbesiana da primazia do Estado sobre a Sociedade, uma vez que: “(...) não temos o nosso povo – considerado de sua expressão povo-massa – a consciência clara de nenhum objetivo nacional a realizar ou a defender, de nenhuma grande tradição a manter, de nenhum ideal coletivo, de que o Estado seja o órgão necessário a sua realização” [11].

Ianni, nesta parte do livro, chama a atenção sobre o reforço desta tese de Oliveira Vianna, do povo tutelado pelas elites e da correlata fragilidade ou mesmo incompetência da sociedade civil; tese também esposada por Gilberto Freyre, cujo pensamento político será amplamente difundido entre os militares golpistas de 1964.

Entendendo e definindo a fragilidade da sociedade civil ou a sua falta de conformação, os governantes, mas também muitos intelectuais, frações de classes dos blocos de poder estabelecem que o povo, o cidadão, precisam ser tutelados.

Os conceitos de via prussiana, ou de revolução passiva, revolução pelo alto, modernização conservadora, têm sido empregados justamente para enfatizar a vertente autoritária do Estado e, segundo Ianni, não é instrumentalizado apenas pelos liberais, conservadores e social-democratas, mas também pelos marxistas que acabam por adotar a tese segundo a qual a sociedade civil brasileira é amorfa, inconsistente, incompetente. A sociedade civil, o povo, passa por incapaz e, portanto, o bloco histórico prussiano – autoritário, bonapartista, bismarckiano – sendo uma forma de associação de classes e frações de classes dominantes, contraditórias, mas solidárias tem o objetivo de aparelhamento e controle do Estado. Procura diluir, apagar, desqualificar a história das lutas populares [12]. Quando a força dos trabalhadores urbanos e camponeses se articula, progride um discurso melífluo, sobre a necessidade do pacto social, da tradição brasileira de conciliação, do desenvolvimento com segurança.

Nesta segunda parte deste livro esclarecedor, Ianni desenvolve em três capítulos articulados, as teses formuladas pelo Partido Comunista Brasileiro - PCB, pelo Instituto Superior de Estudos Brasileiros - Iseb e pela Escola Superior de Guerra - ESG. No primeiro deles, a tese da revolução democrático-burguesa do PCB, e o entendimento de se fazer a independência econômica e social do país a partir de uma aliança de classes entre a burguesia nacional, o proletariado urbano e rural, sob a hegemonia dos industriais. Os inimigos eram os grupos agrários do latifúndio, a burguesia exportadora e o imperialismo.

A viabilidade do capitalismo nacional proposta pelo PCB foi amplamente derrotada e é interessante observar que a estatização das empresas estrangeiras, que porventura impedissem a expansão da economia nacional, deu lugar, trinta anos depois, a um amplo processo de transferência patrimonial do estado brasileiro para o capital internacional, sobretudo [13].

A aliança da burguesia nacional com o imperialismo foi vitoriosa no Golpe Militar, quando o “poder público reelaborou e aperfeiçoou as garantias políticas, para que os investidores estrangeiros pudessem sentir os seus interesses assegurados” [14], o que foi estabelecido pelo Acordo de Garantia de Investimentos, assinado pelos governos do Brasil e Estados Unidos.

A segunda tese, desenvolvida pelo Iseb, em sua primeira fase, aquela do neobismarquismo, foi elaborada e liderada por Hélio Jaguaribe [15]. A ideologia do desenvolvimento partia da premissa do dualismo [16], segundo a qual a sociedade brasileira era, sobretudo, arcaica, com pequenos segmentos modernos. O Estado era visto como tendo um papel central, a liderar os projetos de desenvolvimento. Às elites cabia por em prática a ideologia do desenvolvimento. Um quarto elemento apontado por Ianni evidencia que às classes sociais não cabia qualquer papel político e, portanto, considera a tese em questão baseada em escasso tratamento teórico e simplificador da realidade social. E, finalmente, o desenvolvimento econômico neste paradigma proposto, deveria ser posto em prática por um estado autoritário.

Ianni comprova que todos estes pontos estão explícitos nos escritos de Jaguaribe. E é este que fala em bismarquismo e mesmo em neobismarquismo. Considerado enquanto modelo político consistente no exercício, pelo chefe do governo, de uma arbitragem entre os estratos sociais, regulando o regime de participação de cada estrato e assegurando aos empresários nacionais a liderança do desenvolvimento.

O modelo proposto por Jaguaribe foi vitorioso, digamos, até o período Jânio Quadros, pois funcionava independente da sociedade civil. Como disse Octavio Ianni, a apoteose isebiana deu-se no governo Kubitschek: “a ideologia parecia fazer-se história” [17].

Já o modelo da Escola Superior de Guerra [18], criado no contexto da Guerra-Fria, de Segurança e desenvolvimento é defendido pelo General Castelo Branco, transcrito pelo autor: “A noção de segurança nacional é mais abrangente. Compreende [...] a defesa global das instituições, incorporando por isso os aspectos psicossociais, a preservação do desenvolvimento e da estabilidade polítca interna” [19]. O então chefe do regime militar fala ainda de agressão interna e subversão ideológica.

Ianni analisa como o novo modelo veio a conjugar as idéias de segurança, desenvolvimento e potência e, para atingir seus objetivos, todos os sacrifícios se justificavam, principalmente aqueles econômicos e políticos impostos principalmente à classe trabalhadora.

Na terceira parte do livro em análise, intitulada "Populismo e militarismo", gostaria de destacar o último capítulo, "A marcha da contra-revolução", onde Ianni estabelece em perspectiva, as grandes linhas da transição estrutural ocorrida na sociedade brasileira até o advento da mundialização. O capitalismo aprofunda-se, as classes sociais urbanas afirmam o seu predomínio sobre o campo, ao custo de uma profunda expropriação camponesa, que redunda em crise habitacional e favelização. Ocorre uma ampla modificação da estrutura fundiária e o capitalismo “revoluciona” o campo.

Para Ianni, a quadra democrática havia sido constituída por um bloco de poder, de cunho populista, onde nenhuma classe social tinha comando hegemônico. E esta crise de hegemonia perdura de 1930 a 1964. O populismo, e aqui se distancia de Celso Furtado, aumentou a capacidade de atuação do Estado, mas manteve o seu caráter autoritário.

Não há dúvidas de que as classes dominantes no Brasil sempre controlaram ou suprimiram pela violência os avanços democráticos do povo. Mas creio tratar-se de uma perspectiva excessivamente determinista não perceber a tentativa de consolidação de um modelo de democracia política capaz de incorporar a reforma agrária, o controle das remessas de capital para o exterior e de fortalecer os setores estratégicos controlados pelo Estado, como a energia, o petróleo, as comunicações, os minérios. O Golpe Militar deu-se justamente para evitar esses avanços e a incorporação dos setores populares aos frutos do bem estar social, e foi justamente esse processo que Celso Furtado vem a chamar de A construção interrompida.

É evidente que para se fazer justiça a este livro é necessário contextualizá-lo, pois foi escrito no início da década perdida, justamente no momento em que é fundado o Partido dos Trabalhadores, em que o regime militar vive a sua crise externa, pela saída em massa dos capitais internacionais, tamanha a vulnerabilidade e o crescimento da dívida, mas também pela resposta interna, da sociedade civil, de descontentamento por vinte anos de concentração de renda e de falta de perspectiva para a maioria dos trabalhadores. Mais uma promessa de milagre é desfeita. Agora, a burguesia nacional, que se associara ao regime autoritário e ao imperialismo, é praticamente subordinada ao grande capital.

Os anos oitenta marcam a passagem para a fase da revolução técnico-produtiva e da financeirização mundializada [20], que forçará os oligopólios nacionais a se readaptarem às novas regras do jogo econômico mundial. Os anos 90, não tratados por Ianni em seu livro, serão emblemáticos no sentido da privatização dos ativos do Estado, para o controle quase que absoluto da economia nacional aos ditames de Washington e do grande capital monopolista vitorioso. Garantiu-se a normalidade democrática, por certo, mas manteve-se a estrutura autoritária e excludente do Estado sobre os trabalhadores.

Ianni, talvez mais por exercício de esperança, tenta concluir o seu livro em chave otimista, apontando o ganho de politização dos trabalhadores, operários, camponeses, empregados, funcionários, estudantes e intelectuais. Acreditou então que o desenvolvimento capitalista, por sua violência implícita, vinha impulsionando a “unificação” das classes sociais, o fortalecimento da idéia de nacionalização, incluindo o proletariado e campesinato. Aqui, errou o mestre, pois os anos 90 viram aprofundar-se as desigualdades e o desmonte do Estado, que já não reponde sequer à maneira populista [21]. A nova fase do capitalismo, sob hegemonia das finanças internacionais, fragmentou a classe trabalhadora e converteu um número substantivo de intelectuais de esquerda aos ditames do neoliberalismo.

Na virada do século XX, os amplos movimentos sociais em toda a América Latina evidenciam que os efeitos desagregadores e perversos do modelo já se fazem sentir, mas, ao mesmo tempo, a vitória do Partido dos Trabalhadores no Brasil e principalmente seus desdobramentos nos remetem ao poeta Dante na porta do inferno, antes de se afrontar com as três feras: Nel mezzo del cammin di nostra vita mi ritrovai per uma selva oscura [...] Ah! Quanto a dir qual era è cosa dura esta selva selvaggia e aspra e forte: che nel pensier rinova la paura! [22]. Nada disto vem diminuir a qualidade e a importância da sociologia totalizante de Octavio Ianni, que desvela traços fundamentais da sociologia política brasileira do século XX. De Ianni pode-se dizer, utilizando-se das mesmas palavras com que fez o elogio de Florestan Fernandes: é uma obra contemporânea de seu tempo, no sentido em que expressa de forma clara e desenvolvida estas duas dimensões: responde aos desafios do presente e reinterpreta o passado, desvendando nexos entre ambos [23]

Fonte:

http://www.acessa.com/gramsci/?id=413&page=visualizar

Questões indígenas – Darcy Ribeiro

A DIFUSÃO DA QUESTÃO INDÍGENA PELA IMPRENSA MATO-GROSSENSE

André Luís Alves, Universidade Federal de Mato Grosso

1999

INTRODUÇÃO

Qual é o tratamento dado às questões indígenas pela atual imprensa mato-grossense? Quando e por que um índio ou uma sociedade indígena é notícia? Responder essas perguntas foram os objetivos desta pesquisa.

Para tanto, algumas hipóteses precisaram ser levantadas para orientar os estudos: a) a imprensa tem pouco interesse em publicar assuntos indígenas por acreditar que o tema não vende jornal; b) povos indígenas, na maioria das vezes, só aparecem na imprensa quando estão relacionados a invasões de terra, sejam eles os invasores ou os invadidos; c) nas matérias sobre esses temas os índios não são ouvidos adequadamente, com a imprensa se abastecendo quase somente pelas fontes oficiais (Funai, Ministério Público, Polícia Federal e ONGs) e d) a falta de conhecimento do assunto do repórter ou editor pode reforçar estereótipos sobre essas sociedades e de outras minorias.

Primeiramente foram pesquisados alguns periódicos, compreendidos entre 1847 e 1969, microfilmados no Núcleo de Documentação e Informação Histórico Regional de Mato Grosso (NDIHR). Pela análise dos jornais A Cruz, O Porvir, O Matto Grosso, A Opinião, O Iniciador, entre outros, pôde-se saber quais os enfoques que a imprensa mato-grossense dava aos índios.

Para a análise da atual imprensa mato-grossense foram escolhidos os jornais Diário de Cuiabá e A Gazeta. O primeiro por ser o mais antigo em circulação no estado de Mato Grosso - completou 30 anos este ano - e o segundo por ter maior circulação na capital mato-grossense - quase 70% de preferência dos leitores, de acordo com dados do Ibope de novembro de 1997.

Os jornais Diário de Cuiabá e A Gazeta foram analisados em dois momentos. Primeiro foi verificado, em números, a quantidade de material informativo e opinativo fornecida por esses dois jornais aos seus leitores entre 1º de janeiro e 31 de dezembro de 1997. Depois, essas matérias foram classificadas como notícia, reportagem e entrevista (informativos), editorial, artigo, resenha e carta (opinativos), de acordo com a classificação proposta pelo jornalista Marques de Melo.

Num segundo momento utilizou-se o método da semana composta. O método é mais comumente usado para aferir conteúdos televisivos mas foi adequado para medir a regularidade e os conteúdos das matérias, inclusive para se poder fazer um estudo mais aprofundado, verificando, inclusive, a centimetragem das matérias.

Paralelamente, foi aplicado um questionário estruturado aberto dirigido especificamente aos jornalistas.

1 - AS SOCIEDADES INDÍGENAS

Entende-se genericamente por "índio" aquele indivíduo que dessa forma se auto identifica e é reconhecido pelas outras pessoas de sua comunidade como um dos seus. Índio é aquele que possui vínculos históricos com populações de origens pré-colombianas.

Por questão indígena entende-se o conjunto de problemas que as diversas populações vêm sofrendo cotidianamente: A invasão de garimpeiros, madeireiros, e fazendeiros em territórios indígenas, a luta pela demarcação de terras, o alcoolismo, a desnutrição, outras doenças. A construção de estradas que atravessam reservas, hidrelétricas e hidrovias, como a Paraná-Paraguai e Araguaia-Tocantins, que podem reduzir ou inundar muitas áreas indígenas também são questões indígenas. De fato, os problemas sofridos pelas populações indígenas são questões nacionais, pois os povos indígenas também são povos brasileiros.

A população indígena no Brasil à época da chegada de Pedro Álvares Cabral girava em torno dos cinco milhões. Daquela época até 1950 os povos indígenas foram caçados, escravizados, sofreram graves reduções. Inúmeras sociedades desapareceram, e muitas outras estiveram bem próximas do desaparecimento, em função das práticas de extermínio dos governos e da sociedade brasileira.

A partir de 1950, embora em alguns grupos indígenas, como os Jabuti e os Avá-Canoeiros, existam apenas alguns representantes, muitas outras sociedades começaram a ver suas populações aumentando, ao contrário do que era previsto:

    A morte parecia ser o destino fatal dos índios brasileiros e, de resto, dos demais povos chamados primitivos. De repente, começou a se ver a reversão desse quadro. Os Nambiquara passaram a crescer altivos e determinados a permanecer em suas terras a qualquer custo. Os Urubu-Kaapor, que chegaram a quatrocentos em 1980, hoje são setecentos. Os Mundurucu já alcançam a casa dos 5 mil. Os Xavante, que eram 2500 em 1946, somam 8 mil hoje (Ribeiro: 1996: 331).
Atualmente há 325.652 indivíduos 1 (sem contar os índios isolados), divididos em cerca de 215 etnias. São faladas por eles em torno de 170 línguas distintas, divididos em dois troncos principais, Tupi e Macro-Jê e outras seis importantes famílias lingüísticas: Aruak, Arawá, Karib, Maku, Tukano e Yanomami. Sessenta por cento da população indígena do Brasil se encontra na chamada Amazônia Legal, que inclui o estado de Mato Grosso.

Ao todo, os grupos indígenas estão distribuídos em 554 áreas, que abrangem 964.452 quilômetros quadrados, ou 11,12% do território nacional. Entretanto, mais da metade dessas terras ainda não foram sequer demarcadas e várias delas encontram-se parcialmente ocupadas por fazendeiros, garimpeiros, madeireiros e posseiros.

Em Mato Grosso, desde o século XVII, os índios sofreram com o contado com os brancos. Primeiramente por causa do garimpos e a partir da segunda metade do século XIX por causa do extrativismo vegetal, principalmente borracha, caucho e poaia. Da década de 60 em diante, com a colonização do estado e a expansão agropecuária, os índios continuam representando "obstáculos" ao desenvolvimento da região e, portanto, deviam ser domados, caçados, escravizados, exterminados. Muitas sociedades indígenas, como os Coxiponé (subgrupo Bororo) e os Payaguás, foram inteiramente exterminadas.

Além da violência física sofrida, as populações indígenas viram drasticamente reduzidos seus imemoriais territórios de domínio que deram lugar aos latifúndios incorporados em Mato Grosso.

Os "desbravadores" do sertão mato-grossense rapidamente impuseram novas necessidades e novas tecnologias até então estranhas às suas culturas.

O estado de Mato Grosso é o quinto estado em quantidade de índios, superado apenas pela Amazônia, Roraima, Pernambuco e Mato Grosso do Sul, incluindo os que vivem em perímetros urbanos. São aproximadamente 20 mil índios de 35 sociedades indígenas divididos em 56 áreas com diversos graus de regularização fundiária, totalizando de 12 milhões de hectares, mais ou menos 12% do estado, só perdendo em extensão de território para os estados da Amazônia e do Pará.

Os grupos indígenas de Mato Grosso falam línguas do tronco Macro-Jê, Tupi e línguas das famílias Karib, Aruak, Nambikwara e Irantxe. Isso evidencia uma variedade de práticas culturais, sociais e econômicas e diversidade nas formas de interação com a natureza.

1.1 - A Imprensa e As Sociedades Indígenas

As sociedades indígenas sempre foram pauta para jornal. Isso pode ser verificado com uma rápida pesquisa em arquivos ou mesmo observando com um pouco mais de atenção os jornais nas bancas. O que vem mudando é a forma e o ângulo das abordagens dos temas indígenas pela imprensa. De violentos passaram a passivos, de sem voz a reclamadores.

A imprensa mato-grossense foi inaugurada em 1839, com o jornal Themis Matogrossense, primeiro jornal editado e impresso em Cuiabá. A partir de 1848, com a Gazeta Cuyabana, começam a serem dados os primeiros ensaios da imprensa mato-grossense informativa e opinativa.

Esses primeiros jornais, por sua natureza política, e até amadora, eram efêmeros, raramente passando dos quatro anos de vida. Outros jornais que vieram anos mais tarde, mas ainda com essas características foram O Porvir, A Opinião e O Iniciador.

Nesse início, os indígenas eram tratados, em pequenas notas, como violentos, cruéis, assassinos. Não eram raros textos como esses:

    Índios Continuam os coroados a fazer das suas: consta-nos que distante da Chapada menos de meia légua, matarão ultimamente tres pessoas, praticando em seguida actos de maior barbaridade (O PORVIR, 28/06/1877).
Selvicolas Segundo vemos de uma carta particular que nos foi obsequiosamente mostrada, os selvicolas continuavão em suas depredações bem perto da capital.
    Matárão no lugar denominado Fazendinha um filho do individuo Joaquim Rosa e um camarada. Atacárão o sítio de João da Costa Teixeira e ahi matarão um escravo (A OPINIÃO, 14/03/1878).

    No bairro Canastra tem apparecido indios que tem causado inquietações aos moradores, impedindo que cuidem de suas roças (O INICIADOR, 08/02/1880).

A partir do final do século passado e nas primeiras décadas deste, o enfoque ao índio começa a mudar. Parte devido ao amadurecimento da imprensa - reflexo da mudança da postura da sociedade - mas também por causa do aparecimento do Serviço de Proteção ao Índio (SPI) em 1910. O SPI foi criado com uma perspectiva positivista chamada de "doutrina de proteção fraternal ao silvícola", sistematizada e posta em prática pelo engenheiro-militar Cândido Mariano da Silva Rondon. Sob o lema morrer se preciso, matar nunca, Rondon criticou as práticas de extermínio bem como sua assimilação dirigida e acelerada (...) defendendo ao contrário um tratamento humanitário aos silvícolas (Oliveira, 1995:65). A imprensa começa, devagar, a publicar artigos como o de Nicolau Horta Bueno 2 , Em Prol do Índio :

    Afim de demonstrarmos a nossa these a favor do concurso indigina, e desvanecer a ideia de que os indios mantém a linha telegraphica continuadamente cortada, vamos valer-nos de dois testemunhos (...)

    Testemunho official (...) "A tendencia evolucionária dos indios Nhambiquaras ao longo da Linha no sentido da civilização já é bem caracterizada com o auxílio espontaneo que, intermitentemente vão prestando ao serviço de sua conservação..."

    Nucleo Utiarity - (...) "O nucleo indigina de Utiarity, criado pela commissão com o objectivo de agrupar em torno da estação desse nome os remanescentes da nação Pareci, e aproveital-os nos trabalhos de conservação e tráfego da linha, vae progredindo sensivelmente. Presentemente acham-se nucleados 107 indios dos quaes 63 adultos. Das 44 creanças, 27 frequentam a escola mantida pelo governo de Matto Grosso.(O MATTO GROSSO, 21/12/1930).

Nessa mesma época, os índios muitas vezes foram tratados como "filhos adotivos" pela imprensa católica, então muito forte em Mato Grosso. São representantes o jornal A Cruz e a Revista Matto Grosso. É o resultado das campanhas religiosas de catequização, em que o êxito, pelo que foi publicado nos jornais da época, foi maior entre os Bororo.

O trechos a seguir são exemplos do que saía publicado sobre os indígenas:

    Esteve de passagem em Paris o Rev.ma Padre Antonio Malan, Inspector da Missão Salesiana em Matto Grosso e veio acompanhado pelo jovem indio Miguel, filho de Bay-Mizera, cacique da tribu dos indios Bororos-Coroados, hoje aldeados na Colonia Central da Missão. Estes indios ainda ha poucos anos, constituindo uma tribu poderosa e indomavel, são hoje, graças ao sacrificios e á abnegação da missão salesiana, os habitantes pacificos de tres colonias e entregam-se com proveito aos trabalhos da agricultura (O Filho d'um Cacique dos Bororós em Paris / O MATO GROSSO, Março/1907).

As narrativas, em forma de crônicas, também eram comuns, escritas por missionários religiosos que tiveram a experiência de viverem entre índios. O exemplo a seguir é de uma carta de autoria do padre Antonio Colbacchini à Dom Aquino sobre suas necessidades religiosas frente aos Bororo.

    ... Sentia imperioso e irresistível desejo de lançar-me no meio daquellas selvas para procurar os pobres indios que por lá vivem errantes e conduzil-os a Jesus Redemptor e Senhor das Nações. No fundo do coração exclamei: Domine! Adreniat regnum tuum! (O Evangelho nas Selvas / O MATO GROSSO, Fevereiro/1914)

Os jornais da primeira década do jornalismo mato-grossense traziam seções intituladas Notícias do Paquete, ou nomes semelhantes, em que eram comentadas notícias vindas de capital (Rio de Janeiro) por paquetes. O jornal A Cruz replicou o "ataque" de um jornal carioca à uma missão religiosa entre comunidades indígenas:

    Um vespertino carioca, A Rua, entendeu atacar a missão franciscana que, com séde em Santarém, abnegadamente e com applausos geraes, se veem dedicando ao trabalho arduo e perigoso de integrar na civilização nossos infelizes irmãos, os selvicolas daquellas longinquas e desamparadas regiões do extremo Norte (Catequese de Índios no Tapajós / A CRUZ, 09/04/1916).

A Igreja Católica obteve maior êxito, do ponto de vista da catequização, entre os Bororo mas grupos dos Xavante também sofreram com as missões salesianas. Os jornais vinculados às missões comprovam.

    Entre as varias Missões que os Salesianos de Dom Bosco e as filhas de Maria Auxiliadora mantém em Mato Grosso destaca-se a "Colônia São José" de Sangradouro. Residem nessa Missão 300 Xavantes. A Missão sustenta um pequeno internato para 0meninos com 40 indiozinhos e outro para meninas com umas 10 indiazinhas. (...) Fazem questão de serem considerados civilizados. Sua maior felicidade é receber o batismo. (...) Se por doença algum deles tiver que faltar à aula; no dia seguinte se apresenta à irmã professora para que lhe explique a lição da aula que faltou! (A CRUZ, 06/11/60).

A partir do final da década de 60, os indígenas passam a figurar de maneira mais abrangente nos noticiários. Entre os motivos podemos destacar pelo menos quatro: A) a criação da Fundação Nacional do Índio (Funai) em 1967, órgão substituto do SPI; B) a política de ocupação amazônica, que provocou a retirada dos Panará, por exemplo, do seu território tradicional; C) os antropólogos brasileiros, como Darcy Ribeiro, se identificaram, em muitas linhas de pesquisa, com assuntos indígenas e relações interétnicas e D) o surgimento de um novo tipo de liderança indígena, segundo Darcy Ribeiro, sem nenhuma submissão diante dos missionários, de seus protetores oficiais ou de quaisquer agentes da civilização (1996:333). Ou seja, lideranças de várias nações indígenas começam a refletir sobre suas relações com a sociedade brasileira. Com isso, passaram conseguir em alguns momentos um espaço, ainda que pequeno, na imprensa brasileira.

Como bem lembra o jornalista Luiz Beltrão 3,

    a análise das matérias indigenistas divulgadas pela imprensa brasileira no período abrangido por esta pesquisa (janeiro de 1973 a janeiro de 1975) torna evidente o despertar da consciência do aborígine de seus direitos nacionais reconhecidos - embora nem sempre respeitados - pela civilização branca envolvente. Sobretudo do direito à terra, às extensas áreas que seus antepassados habitaram... (1977:61)
De acordo com o antropólogo Carlos Alberto Ricardo 4 (1995:31) percebe-se que a imprensa nacional passou a ter um real interesse pelos povos indígenas, embora ofereça histórias superficiais, fragmentadas e, não raramente, errôneas. Ainda segundo o autor, a partir dessa época algumas etnias surgem nos noticiários como "índios de plantão", devido a circunstâncias históricas. Ele cita como exemplos os Panará ("pacificados" e removidos para a construção da rodovia Cuiabá-Santarém, nos anos 70), os Kayapó (de Raoni e Paiakã), os Yanomami (invasão de garimpeiros em seus territórios), os Guarani (suicídio de jovens), entre outros.

Na década de 90, por volta da reunião mundial da ONU (Organização das Nações Unidas) sobre ecologia e desenvolvimento, que aconteceu no Rio de Janeiro (ECO 92), os índios foram descobertos pela imprensa brasileira como os "ecologicamente corretos", percebendo que manejam os recursos naturais (animal, vegetal e mineral) de maneira branda, ou seja, com poucas alterações ambientais. A partir de então, matérias de assuntos indígenas correlacionadas ao ambiente tornaram-se freqüentes.

Atualmente, as notícias referentes às questões indígenas são, conforme a jornalista Priscila Siqueira (1992:227-230) 5, muito factuais, faltando reflexões de suas causas e conseqüências por meio de editoriais ou, simplesmente, de suítes (tratamento continuado das matérias). Para a jornalista, haveria um conflito entre as causas humanistas (dos jornalistas) e os interesses econômicos (da empresa jornalística). Em outros termos, a imprensa "evitaria" publicar determinadas matérias para não se indispor com certos anunciantes ou com alguns setores do governo.

Segundo a autora, a imprensa e todos os profissionais da comunicação deveriam refletir sobre a necessidade da democratização da informação, ainda mais se tratando de minorias, como é o caso das sociedades indígenas. Ela alerta que os jornalistas têm vários compromissos com a questão indígena mas, a não ser em alguns casos esporádicos como é o caso do Washington Novaes, não o cumprem:

    Compromisso de resgate de 500 anos de opressão das populações nativas do nosso continente; compromisso de resgate de culturas que só podem enriquecer a nossa própria; compromisso de sobrevivência não só de parcelas consideráveis de nossa população mas de sobrevivência mesmo de quem provou ser até agora, os únicos que souberam conviver com a natureza sem expropriá-la (1992:230).

2 CONCEITO DE NOTÍCIA

Antes de analisar a difusão da questão indígena pela atual imprensa mato-grossense, necessário se faz delimitar e especificar o que significa o termo notícia.

José Marques de Melo (1994:65) 6 a define como uma forma de narrar o que está se repercutindo no organismo social, diferenciando-a de nota (relato do que ainda está se caracterizando), de reportagem (relato ampliado de um fato que gerou alterações percebidas pela sociedade) e de outras categorias do jornalismo informativo e opinativo.

Num sentido mais amplo, considerando a notícia como o que é de interesse à empresa jornalística e ao público-leitor, Ciro Marcondes Filho 7 a caracteriza como uma informação transformada em mercadoria com todos os seus apelos estéticos, emocionais e sensacionais devendo sofrer, para isso um tratamento que a adapta às normas mercadológicas de generalização, padronização, simplificação e negação do subjetivismo (1989:13). Ainda mais que isso, o autor afirma ser a notícia uma forma de manipulação ideológica e de poder político.

A generalização, a padronização, a simplificação e a negação do subjetivismo 8, fazem parte da técnica jornalística como forma de atingir um maior número de leitores e poupar tempo, já que a informação jornalística corre contra o tempo. A manipulação ideológica, segundo o autor (1989:14), se dá porque a notícia é apresentada de forma recortada, "quebrada", até mesmo desfigurada da realidade. No conjunto, as notícias têm um duplo caráter ideológico, de preocupação e de alívio/ desconcentração. Assim, o caso recentemente divulgado pelo meios de comunicação sobre o maníaco do Parque, em São Paulo, com dez assassinatos confessos, gerou preocupação (enquanto a polícia o procurava) e alívio da população quando o acusado foi preso.

O poder político é mais ou menos evidente em cada jornal, mas é inegável sua influência. O apoio da Folha de São Paulo à campanha para as eleições diretas ("Diretas Já"), em 1984, e apoio da Rede Globo à eleição de Fernando Collor, em 1989, são exemplos nacionais visíveis. Localmente, sabe-se do apoio que o Grupo Gazeta de Comunicações dá ao governador candidato à reeleição, Dante de Oliveira, enquanto que seu principal adversário é apoiado pelos dois jornais concorrentes.

2.1 Importância da Notícia

Muniz Sodré 9 conceitua ironicamente notícia como sendo aquilo que os jornalistas acham que interessa aos leitores e, portanto, notícia é aquilo que interessa aos jornalistas (1996:135). É evidente, ao selecionar determinadas informações como noticiáveis em detrimento de outras, um público-leitor está sendo produzido, por exemplo o publico para jornais "sérios" ou "populares".

Sodré está se referindo, outrossim, em como se processa a escolha do material publicável, ou melhor, das notícias, justificando ser o leitor-médio, um "ser abstrato", inventado e produzido, então, pelo arbítrio dos profissionais e da empresa jornalística. Essa autoridade de certos profissionais da imprensa pode gerar o que Dines 10 (1996:59) chama de bumerangue cultural: as redações não recebem novas informações, não se atualizam, e o público-leitor passa a receber as mesmas mensagens, que por sua natureza jornalística já são simplificadas, reprocessadas e reutilizadas. Como será visto no capítulo 03, a desocupação de garimpeiros e madeireiros da Reserva Sararé, dos índios Nambikwara, forneceu material para a imprensa mato-grossense durante meses. Mesmo assim, não foi dado uma ampliação necessária, com informações novas e mais aprofundadas.

A importância de uma notícia para o seu público-leitor pode ser medida pelo seu ineditismo (fato novo), improbabilidade (acaso), apelo (curiosidade), empatia (identificação do consumidor por um personagem do fato noticioso) e interesse (quantidade de pessoas que possam ter sua vida afetada pelo fato). O interesse por um evento também tem uma relação direta com a atualidade e com a proximidade do leitor.

E qual a finalidade da notícia, da transmissão da informação? Para Sodré, a finalidade aparente da informação é ordenar (ou reordenar) a experiência social do cidadão (1992:19), tendo, pois, uma função política de manter o status quo e as ideologias predominantes.

2.2 Gêneros Jornalísticos

Além da nota, notícia e reportagem, a entrevista é a outra forma, segundo Marques de Melo, de se exercer o gênero informativo. Para ele, a entrevista é um relato que privilegia um ou mais protagonistas do acontecer, possibilitando-lhes um contato direto com a coletividade (1994:65).

No campo do jornalismo opinativo, o editorial destina-se a ser a opinião da instituição jornalística, não possuindo, pois, autoria, com uma angulagem imediatista.

O artigo é o espaço em que o jornalista (ou não) opina sobre um assunto ou desenvolve uma idéia. Melo (1994:118) divide o artigo em dois tipos: o artigo, propriamente dito, e o ensaio, mais extenso e mais elaborado, geralmente encontrado em suplementos e revistas. Já a resenha é a orientação de um especialista ao público leitor sobre determinado produto cultural. Ambos (resenha e artigo) necessitam de autoria, pois, na maioria dos casos o leitor lê "o autor" mais que "o conteúdo". Ou seja, é a opinião de quem escreve que importa. A angulagem, tanto da resenha quanto do artigo, depende da competência do autor. A carta é o espaço do leitor no jornal. Normalmente ele se manifesta quando se sente ofendido ou caluniado, mas é também uma forma de defender suas idéias num debate público.

O comentário é o espaço onde um jornalista especializado omite, ou deixa nas entrelinhas, sua opinião, que não é, necessariamente a da empresa onde atua. O comentarista, sempre bem remunerado, explica a notícia, seu alcance e aponta suas conseqüências. Franklin Martins, da Rede Globo, é um bom exemplo de comentarista.

A coluna é, segundo Marques de Melo (1994:136), um mosaico, estruturado por unidades curtíssimas de informação, caracterizando-se pela agilidade e pela abrangência. É o espaço onde jornalistas mais bem informados e com as melhores fontes podem dar o furo, a notícia em primeira mão, quando não dá em matérias comuns dos jornais, impresso ou eletrônico.

Ainda segundo o autor (1994:145) a crônica é um gênero de jornalismo exclusivamente brasileiro. Sua forma, mistura-se com a literatura quando conta-se uma "estória", um caso, e com o jornalismo pois a função da crônica no jornal é divulgar uma informação e debatê-la. Carlos Heitor Cony é, provavelmente, o cronista mor do atual jornalismo brasileiro.

A charge e a caricatura são formas de opinar sobre um personagem da notícia ou a própria notícia de uma maneira bem-humorada, levando o leitor primeiramente ao riso e, em seguida, à reflexão. Geralmente aparece na segunda página ao alto, à direita, ao lado do(s) editorial(is). Exceção à regra, o jornal O Globo, sempre traz as charges na primeira página.

De todos as formas de jornalismo, a coluna, o comentário e a crônica não foram localizados, nesta pesquisa, na imprensa mato-grossense analisada se referindo à algum tema indígena.

3 - A DIFUSÃO DA QUESTÃO INDÍGENA PELA IMPRENSA

Os dois jornais utilizados para a pesquisa no ano de 1997 foram o Diário de Cuiabá 11 e A Gazeta 12. As edições desses dois jornais noticiaram, com uma certa freqüência, matérias relacionadas a temas indígenas. As invasões e desocupações de garimpeiros e madeireiros da reserva Sararé, dos Nambikwara, foram os fatos mais divulgados pela imprensa no ano passado. Ao lado dos Nambikwara, os Xavante, os Bororo e os Paresi foram os povos mais citados pelos dois jornais analisados.

Em 41 dias na Gazeta13 e em 63 dias no Diário de Cuiabá houve manchetes na primeira página relacionadas a algum povo indígena. Somando-se os dois jornais, no gênero informativo foram veiculadas 257 notícias, 39 reportagens e duas entrevistas sobre algum grupo indígena. É pouco, considerando-se que apenas no estado de Mato Grosso existem 35 povos indígenas e que foram alguns poucos episódios, isolados, que constituíram a maioria das notícias e reportagens: a retirada dos garimpeiros da Reserva Sararé; o assassinato do Pataxó Galdino dos Santos (que não será analisado neste trabalho); a discussão sobre o arrendamento de uma parte das terras dos Paresi e a conquista dos Panará, que voltam às suas terras. Os grupos mais noticiados foram, então, os Nambikwara, os Paresi, os Panará e os Xavante. Estes últimos apareceram constantemente, mas em três diferentes assuntos: a visita de uma equipe da UFMT a aldeia São Marcos, a pressão feita por eles para a saída do então presidente da Funai, Júlio Gaiger e a discussão em torno da implantação da hidrovia Paraguai-Paraná.

Os assuntos mais tratados pela imprensa mato-grossense foram os conflitos entre índios e brancos (fazendeiros, garimpeiros e madeireiros) sobre terras. O segundo assunto mais tratado foram as culturas indígenas e retrospectos de indigenistas, como foi o caso de Vicente Cañas, que viveu entre os Myky, Paresi, Enawenê-nawê e os Beiços-de-pau. Isso vem a comprovar as respostas dos jornalistas em um questionário aplicado para essa pesquisa, sobre quando os índios são notícia (ver anexo I) Uma repórter respondeu que

    grupos indígenas de Mato Grosso conseguem espaço na mídia em épocas festivas, quando existe ameaça às suas áreas e em caso de conflito com madeireiros.
Comparando-se os dois jornais percebe-se que houve uma igualdade quanto ao número de notícias e reportagens, pelo menos nos três primeiros meses e também em junho e agosto do período analisado.

No gênero opinativo, dez editoriais, vinte e um artigos, duas resenhas e três cartas abordaram temas indígenas, sendo que uma significativa parte dos artigos não foram escritos por jornalistas e sim por outros profissionais.

Os assuntos mais tratados pela imprensa mato-grossense são abordados neste capítulo, divididos por sociedade indígena.

3.1 Os Nambikwara

O nome Nambikwara é um termo genérico para vinte subgrupos que falam três línguas distintas além de vários dialetos. Como não aceitam morar em grandes aldeias, geram-se pequenas facções que migram para outros territórios. Para eles, a aldeia é um local sagrado, onde estão enterrados os seus antepassados. Silbene de Almeida 14 (1987:97-98) explica que onde há Nambikwara enterrado é aldeia, e onde não há ninguém enterrado não é aldeia ainda que aí vivam 50 habitantes.

Há oitenta anos os Nambikwara sofrem com as invasões de suas terras, que se intensificaram a partir da década de 70, com a conivência da Funai (Almeida:1987:95). Dos 10 mil indivíduos no início deste século, eles contam atualmente com pouco mais de oitocentas pessoas.

A reserva Nambikwara, palco da Operação Sararé 15, abriga os Nambikwara Kithaurlu e os Halotesu, fica em Comodoro e está regularizada desde 1990. Há um grupo também na reserva Umutina, em Barra do Bugres, onde também são encontrados Paresi e os próprios Umutina.

A desintrusão dos garimpeiros da reserva Sararé por agentes da Polícia Federal e da Funai, que se iniciou no dia 10 de janeiro, foi noticiada quase todos os dias, no primeiro mês de 1997, pelos dois jornais. Esse fato mereceu manchetes na primeira página doze vezes pelo Diário de Cuiabá e sete pela Gazeta. A ação dos policiais, batizada de Operação Sararé II foi mais enfatizada do que a atividade garimpeira ilícita ou mesmo sobre quem é o povo Nambikwara.

No dia 14 de janeiro de 1997, é chamada a atenção para a degradação ambiental provocada pela retirada de minérios que, segundo a imprensa, poderá levar até 40 anos para se recompor. Nesse mesmo dia, segundo denúncia da Gazeta, os Nambikwara deixam de ser vítimas, tornando-se coniventes: A extração de madeira dentro da Reserva Indígena Sararé tinha até mesmo a participação de índios e de indigenistas (ÍNDIOS CONIVENTES COM EXTRAÇÃO, A GAZETA, pág. 3-C).

No dia seguinte, a reportagem do Diário informa que os índios de Sararé são violentos: ... os índios nhambiquaras (...) ameaçam espancar e matar garimpeiros que ainda estiverem na área após a saída da Polícia Federal (ÍNDIOS AMEAÇAM MATAR GARIMPEIROS QUE PERMANECEREM DENTRO DA RESERVA, DIÁRIO, pág. B-1). Este foi o único dia que o cacique Nambikwara Américo Xathitaurlu foi mostrado numa foto (e na primeira página) pela imprensa. Entretanto, a legenda é bem sugestiva: O cacique (...), armado com espingarda, ao lado dos dois filhos, ameaça os garimpeiros que continuam na Reserva Sararé (DIÁRIO, 15/01/97).

Nos meses de março, setembro, novembro e dezembro há outras ocupações e expulsões de garimpeiros e madeireiros na Reserva Sararé que são noticiadas pela imprensa, entretanto sem acrescentar novos dados sobre os índios que vivem nessa reserva.

A imprensa mato-grossense utilizou a Operação Sararé II para mostrar a falta de estrutura da Funai, para apontar falhas na ação da Polícia Federal e para revelar à sociedade que o garimpeiro mato-grossense ou brasileiro é apenas mais um excluído que está fora do modelo econômico (DIÁRIO, 19/01/97, PÁG. B-1).

Quanto aos Nambikwara da Reserva Sararé, foi informado que eles vivem a 540 quilômetros ao noroeste de Cuiabá, possuem uma área de 67, 4 mil hectares e totalizam 79 indivíduos, entre adultos e crianças.

Constitui-se prática comum na imprensa citar a população da aldeia ou de um povo e a extensão do seu território. Ao fazer isso, sem nenhuma relativização, a imprensa, reforça um preconceito em relação aos índios. Qualquer cidadão brasileiro fará a conta e verá que há quase mil hectares para cada índio Nambikwara. Uma área para fazer inveja a muitos fazendeiros e aos sem-terra.

Entretanto, a imprensa não informa que a terra significa, para as sociedades indígenas, muito mais que um simples meio de subsistência. A terra, de uso coletivo, representa o suporte da vida social e está diretamente ligada ao sistema de crenças e conhecimento (Ramos:1988 13). O território indígena, além de ser o local onde um povo indígena garante a sua sobrevivência e se apropria dos recursos naturais existentes para se alimentar, fabricar utensílios e extrair plantas medicinais, é também um espaço simbólico em que as pessoas travam relações entre si e com seus deuses (Fernandes:1993, 81).

Não foi encontrada nos jornais a explicação da significação das terras indígenas em termos legais. A área continua pertencendo à União, é limitada a utilização exclusiva dos povos indígenas que a ocupa e representa apenas uma pequena parcela dos territórios tradicionais.

3.2 - Os Xavante

Os Xavante se autodenominam A'úwê e pertencem ao tronco lingüístico Macro-Jê. Em 1946 foi realizado o primeiro contato pacífico com um grupo Xavante, que na época estavam dispersos em três grupos, com o Serviço de Proteção ao Índio (SPI). Atualmente eles se encontram divididos em nove áreas, das quais apenas quatro estão regularizadas, em diversos municípios do estado de Mato Grosso.

Eram tradicionalmente seminomâdes, coletores e caçadores, tendo a agricultura o papel menos importante para sua sobrevivência. Entretanto, a Funai, a partir da década de 70 começou a incentivar a agricultura mecanizada entre os Xavante.

As crianças Xavante estudam em escolas da Funai ou das Missões da Igreja Católica.

    Os Xavante são muito relutantes em não perder a sua identidade cultural tentando se afirmar como um povo livre, mantendo seus rituais, seu modo de vida, mas ao mesmo tempo, preenchendo suas necessidades básicas como membros consumidores e produtores da economia nacional (Graham:1987:168).

Em meados de março, os dois jornais locais diários analisados noticiaram a pressão que lideranças Xavante estavam fazendo para que o então presidente da Funai, Júlio Gaiger, renunciasse. Entre os motivos alegados por lideranças Xavante, estavam a ineficácia da assistência da Funai e

    a construção de hidrovias, abertura de estradas em terras demarcadas, desmatamento, contaminação das águas com agrotóxicos e a contaminação dos índios com as doenças dos brancos(CACIQUE XAVANTE RECLAMA DA ATUAL CONDIÇÃO DE VIDA DOS ÍNDIOS, DIÁRIO, 18/04/97, pág. B-3).

Gaiger responde que caciques Xavante o estariam pressionando porque ele havia cortado "mordomias" que o órgão distribuiria tradicionalmente às lideranças indígenas. Haveria até uma tabela dos "honorários" mensais, que variariam de 50 reais (para os "guerreiros") a duzentos reais (para os caciques) (GAZETA e DIÁRIO 10/03/97):

    Com o conhecimento dos presidentes anteriores da Funai, funcionários do órgão pagavam "honorários" aos índios que visitavam Brasília, além de custear passagens aéreas e estadias em hotéis, num sistema de cooptação de lideranças (Diário, 10/03/97).
Os Xavante aumentam a pressão para a saída de Júlio Gaiger da Funai e, segundo o Diário, a Polícia Federal faz uma operação de guerra para tirar índios da Funai (12/06/97). Mesmo assim, no dia 16 de julho, Júlio Gaiger pede demissão da presidência da Funai. O Movimento Indígena indica Marcos Terena, mas foi o procurador Sulivan Silvestre quem passou a ser o presidente da Funai.

Nos dias 31 de maio e 1º de junho os Xavante voltam a ser destaque nos noticiários locais por causa da visita de uma equipe da Universidade Federal de Mato Grosso à aldeia Xavante São Marcos, localizada a 150 quilômetros de Barra dos Garças. Foram cinco páginas inteiras de notícias, juntando os dois jornais, afora as manchetes na primeira página.

Os leitores tiveram uma oportunidade de ficarem um pouco a par dos problemas, da história e da cultura Xavante. Entre as notícias estão: 1) o questionamento por parte dos Xavante, entre eles o cacique Aniceto Tsudzaware, sobre a atuação da Missão Salesiana, que difunde o cristianismo na aldeia; 2) críticas perante as ações da Funai; 3) a falta de animais para caça; o sistema de coleta; 4) o ritual da "furação de orelha" e outros.

Entretanto, pode ser percebido que a Gazeta retratou a equipe da UFMT como uma salvadora dos problemas indígenas:

    O grupo foi recebido com entusiasmo pelos Xavante que enalteceram a iniciativa da UFMT por considerá-la um meio de preservação da cultura indígena e do próprio índio (REITOR ENFATIZA INTERCÂMBIO, 31/05/98).

Vale ressaltar que tanto a equipe de reportagem do Diário quanto a da Gazeta foram a convite da UFMT

A Hidrovia Paraguai-Paraná entra no noticiário local relacionado aos Xavante, mais uma vez, e aos impactos ambientais que poderia trazer e as populações indígenas que seriam afetadas. A imprensa apóia, em certa medida, organizações não-governamentais e lideranças indígenas que se posicionam contra a essa hidrovia. Índios, como o cacique Xavante Megaron Aniceto, denunciam os problemas que poderiam ser gerados com a construção da hidrovia.

A divulgação do Estudo de Impacto Ambiental e do Relatório de Impacto Ambiental (EIA/Rima) da hidrovia Paraguai-Paraná mostra que 88 aldeias indígenas estavam sendo ignoradas,

    de acordo com o Estudo de Impacto Ambiental e Relatório (EIA/Rima) a hidrovia passará próximo ou dentro de 88 aldeias indígenas num total de 12 municípios (...) seriam 5,3 mil indígenas em área de influência direta ou indireta. (FUNAI CRITICA DADOS SOBRE OS INDÍGENAS, DIÁRIO, 16/03/97)
3.3 - Os Panará

A Reserva Panará, no município de Guarantã do Norte, tem 484 mil hectares. Está delimitada mas ainda não foi demarcada. O primeiro contato com os brancos foi há 25 anos pelos sertanistas Orlando e Cláudio Villas-Boas. Eles foram levados para o Parque Nacional do Xingu porque a rodovia Cuiabá-Santarém, que estava sendo construída, em 1973, passava no seu território de origem. Dos 600 na época do contato em pouco tempo restaram apenas 79. Os primeiros contatos com os "Índios Gigantes" foram registrados e amplamente divulgados pela mídia nacional.

Em 1990, enfim, eles voltaram para Guarantã do Norte e contam atualmente com 198 índios.

No dia 22 de outubro de 1997 vem à tona a reivindicação dos Panará a demarcação física da reserva onde estão inseridos em Guarantã do Norte. A área já havia sido determinada em novembro de 1996 pelo então ministro da Justiça, Nelson Jobim. Mas essa reivindicação só foi ouvida quando fazendeiros da região acusam os Panará de "saquear" quatro propriedades. (FAZENDEIROS DE GUARANTÃ ACUSAM PANARÁS DE SAQUEAR 4 PROPRIEDADES - DIÁRIO).

No dia seguinte (23 de outubro) é noticiado que as terras onde estão as fazendas pertencem à União (FAZENDEIROS OCUPAM TERRAS DA UNIÃO, GARANTE INCRA DIÁRIO).

Os Panará ainda estão em evidência no noticiário local 20 dias após o incidente. O juiz Novely Villanova da Silva, da 7ª vara federal de Brasília (e pai de um dos acusados de terem ateado fogo no Pataxó Galdino dos Santos, em abril do mesmo ano) condena a União a indenizar os parentes dos Panará mortos durante a construção da BR-163 (Cuiabá - Santarém), na década de 70.

Desta vez os jornais noticiam que os Índios Gigantes têm outros problemas, além das invasões e da demarcação física das terras. Escreve A Gazeta que durante a construção da BR-163 muitos dos Panará

    morreram vítimas de doenças venéreas, tuberculose, alcoolismo, malária, além de outras doenças reduzindo a população da etnia de 254 membros para 79. (UNIÃO DEVE INDENIZAR OS PANARÁ - 12/11/97).
Acrescenta, no mesmo dia, o Diário:
    o sofrimento dos panarás não cessaram com as mortes. Reduzidos, eles foram levados pela Funai para o Parque do Xingu, em 1975, exatamente para onde viviam os seus maiores inimigos, os caiapós (...) mais dez morreram no parque. (JUSTIÇA CONDENA UNIÃO A INDENIZAR PANARÁS).

3.4 - Os Paresi

Os Paresi falam língua Aruak e se autodenominam Halíti. A história dos Paresi com a sociedade envolvente remonta há mais de duzentos e cinqüenta anos. Mas foi a relação deles com a Comissão Rondon, chefiada por Cândido Mariano da Silva Rondon, que atravessou o território Paresi para estabelecer uma linha telegráfica que ligaria Mato Grosso ao Amazonas, que trouxe os maiores impactos a esse povo. Grupos de índios foram afastados de seus territórios tradicionais e tecnologia e valores alheios foram introduzidos provocando alterações na sociedade deles.

Da década de 40 em diante, famílias inteiras fugiram para os centros urbanos. São sobreviventes de grupos que foram dizimados por ataques e doenças trazidas por poaieiros e seringueiros que invadiram seus territórios.

Atualmente os Paresi vivem dispersos em dez áreas, das quais sete encontram-se regularizadas, nos municípios de Comodoro, Diamantino, Nova Marilândia, Tangará da Serra, Pontes e Lacerda, Sapezal, Barra dos Bugres e Campo Novo dos Parecis.

Já chegando no final de setembro, uma iniciativa dos índios da reserva Paresi, em Campo Novo dos Parecis, de arrendar uma parte de suas terras para agricultura é noticiada pelo Diário e pela Gazeta. O enfoque dado pela imprensa foi a extensão da área que estava para ser negociada, entre 20 e 50 mil hectares de terras férteis, que se valorizaria com a Hidrovia Madeira-Amazonas para a plantação de soja, girassol, milho, arroz e algodão.

    Manfro (Sérgio Manfro, gerente da Agrofel, uma das empresas interessadas na parceria) disse que foram os próprios índios que procuraram o diretor da empresa Darci Ferrarin, propondo uma parceria agrícola em 20 mil hectares. "Houve, de fato, interesse na parceria e, fomos até as terras para conhecer o local onde provavelmente ocorreria o plantio de soja", disse o gerente (EMPRESAS REAFIRMAM INTERESSE EM PARCERIAS COM ÍNDIOS - DIÁRIO 30/09/97)
Entretanto, a imprensa noticia que apesar de experiências em outros estados com pequenas faixas de terra, essa seria a primeira vez que a Funai iria permitir um acordo desse porte entre índios e fazendeiros. Afora isso, não havia legalidade, uma vez que a Constituição Federal 16 não prevê essa possibilidade de parceria.

Até o final do ano de 1997 estava suspensa a audiência pública entre os Paresi, a Funai e as várias cooperativas e empresas interessadas, que iriam discutir a parceria agrícola.

A imprensa mato-grossense apenas citou o que poderia ter sido um relato dos problemas que os Paresi de Campo Novo dos Parecis vem enfrentando:

    Os índios paresi de Mato Grosso estão dispostos a arrendar de 20 a 50 mil hectares de suas terras para os produtores de cereais do Médio Norte. O administrador regional da Funai em Cuiabá, Ademir Gudrin, disse que os índios tomaram a decisão por causa da ineficiência do Poder Público, que nas aldeia geraria fome, falta de assistência médica e transporte (ÍNDIOS QUEREM ARRENDAR TERRAS PARA VIVER - DIÁRIO - 20/09/97).

    3.5 - A Imprensa Opinativa

O gênero opinativo na imprensa versou muito pouco sobre os problemas indígenas. As empresas jornalísticas, por meio de editoriais, e os jornalistas, por meio de artigos, se expressaram principalmente sobre a Reserva Sararé, cobrando maior eficiência da Funai e da Polícia Federal e mostrando que os garimpeiros são apenas mais uma categoria dentre outras na imensa massa dos excluídos.

3.5.1 - Editoriais

Uma vez no Diário e uma vez na Gazeta, esses jornais trouxeram no editorial opiniões sobre o índio como agente social e histórico.

O editorial do Diário de Cuiabá dia 8 de novembro de 1997 discursava sobre a pressão de organizações não-governamentais (ONGs) para se aproveitar uma parte do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Comunitário (Padic) às comunidades indígenas. No final do texto, elogia-se a luta de comunidades indígenas pelos seus direitos:

    A grande maioria das comunidades indígenas de Mato Grosso, há tempos, deixou de viver no isolamento e, por meio de seus próprios líderes ou daqueles que abraçam sua causa, aprendeu a reivindicar tudo aquilo que considera de direito (A VEZ DO ÍNDIO).
Entretanto, anteriormente o editorial já havia se pronunciado à favor da integração dos índios à sociedade envolvente:
    O fato de se discutir meios para direcionar recursos do Padic para as comunidades indígenas, não há como negar, significa um grande passo para, definitivamente, se integrar o índio à "civilização" sem que para tanto seja forçosa sua retirada do meio onde vive.
O editorial de A Gazeta sobre as possíveis conseqüências do projeto BID-Pantanal, que visa o desenvolvimento auto-sustentável e o ecoturismo no Pantanal, criticava entidades que se opunham a esse projeto. É escrito que o estado de Mato Grosso tem uma vocação ecológica e indígena mas que "precisa" se "desenvolver".

Neste editorial são enumerados exemplos de inovações tecnológicas como a agroindustrialização e as hidrelétricas que seraim necessárias ao estado e que podem ser feitas sem prejudicar o meio ambiente.

O editorial conclui, então, que se deve conciliar a modernidade com a tradição:

    Mato Grosso não pode perder nem desprezar sua imensa herança indígena, não pode destruir seus intensos e ainda misteriosos em grande parte, recursos naturais. Tampouco pode ir na contramão da história e abdicar do desenvolvimento dentro de uma sociedade globalizada. Sejamos, assim, indígenas, ecológicos e desenvolvidos (INDÍGENAS, ECOLÓGICOS E RICOS).
Sutilmente, o editorial sugere no termo "herança indígena" que os índios fazem parte do passado e que algumas coisas boas deles foram transmitidos aos brancos.

Os dois editoriais defenderam, no mínimo sugeriram, a integração das sociedades indígenas à sociedade envolvente.

3.5.2 - Artigos

Os 21 artigos encontrados nas edições dos dois jornais se concentraram na visita do reitor da UFMT à uma aldeia Xavante, a Operação Sararé e o assassinato do Pataxó Galdino dos Santos, em Brasília. Entretanto quase não foram escritos por jornalistas e sim por sociólogos (João Vieira), historiadores (Luiza Volpato) e até um médico (Júlio Capilé). Exceção feita ao articulista Onofre Ribeiro que, na Gazeta, escreveu uma série de artigos sobre os Xavante.

As duas resenhas se referiam ao lançamento de uma biografia do senador e antropólogo Darcy Ribeiro, poucos meses depois de sua morte.

3.5.3 - Cartas

As três cartas localizadas na pesquisa se referiram a assuntos distintos. A primeira, publicada no Diário no dia 04 de março ficaria melhor na forma de um artigo, pois desenvolvia uma idéia de um especialista em assuntos indígenas que estava envolvido no problema em questão. A carta tratou da volta dos garimpeiros à reserva Sararé, apesar da retirada deles pela Polícia Federal. O autor, Darci Secchi, professor universitário e assessor para assuntos indígenas, escreve sobre a ineficácia da desintrusão:

    No campo, os poucos funcionários da Funai dobram-se para expulsar os invasores, pondo em risco suas vidas e a dos índios. Estes, atônitos, apenas observam, e em português precário perguntam: o que acontece? O que acontece? Acontece que o poder público é complacente, tolerante, conivente (QUE SURPRESA! OS GARIMPEIROS RETORNARAM AO SARARÉ) .
A segunda carta foi também foi publicada no Diário. Em quatro de abril de 1997, os caciques Xavante Aniceto Tsudzaware (Aldeia São Marcos), Tibúrcio Abnooai (Aldeia Nossa Senhora de Aparecida), Simão Butre (Aldeia Namunkurá) e Domingos Nahoboreá (Aldeia Dom Bosco) respondem, através de uma carta às acusações das "mordomias" feitas pelo então presidente da Funai, Júlio Gaiger:
    Nós, lideranças xavante, entendemos a tutela como uma forma de proteção e possibilidade de apoio, e por decisão de todos os membros de nossa sociedade, vontade de nossos anciões, já encaminhamos documento as autoridades executivas e legislativas sobre esse assunto.
    (...) Para esclarecimento ao público, no ano passado, somente na aldeia xavante de S. Marcos, morreram 21 índios, na maioria crianças menores de 5 anos. Ainda temos tuberculose, ainda temos pneumonia, ainda sofremos a invasão dos homens brancos, e temos como presidente do órgão indigenista uma pessoa insensata, insensível e descomprometida com as questões indígenas (A FUNAI E AS MORDOMIAS, DIÁRIO 05/04/97 A-2).
Um texto de autoria indígena e veiculado na íntegra por um meio de comunicação é uma exceção no espaço destinado pela mídia às sociedades indígenas. Além disso, esta carta desmitifica a idéia de índios fortes e saudáveis comumente encontrada em livros didáticos17.A terceira carta, publicada na Gazeta no dia 15 de agosto, inserida no espaço normalmente destinado a artigos, na metade superior da página A-3. Foi escrita por uma auxiliar de enfermagem da Fundação Nacional de Saúde, Fabiene dos Santos, pedindo a devolução de uma Toyota que alguns Xavante haveriam tomado. A auxiliar de enfermagem não mencionou o motivo que os levou a pegar o automóvel (protesto contra a Funai dos Xavante da aldeia Felipe, em Campinapólis, porque a aldeia não foi inserida num programa de produtividade agrícola) muito menos que foram apenas alguns índios de uma aldeia.

O texto é um sermão a todos os Xavante e, por extensão, a todos os índios:

    vocês estão melhor do que eu, não pagam impostos, não pagam para morar em suas terras, tudo é dado pelo governo (...) Não se lamentem, não se queixem, entendo as suas dores...

    Eu admiro vocês, são tão inteligentes quanto os brancos, vamos sentar, vamos dialogar, conversar, fazer documentos pedindo algo para lhes beneficiar, não vamos brigar, isso não leva a nada... (APELO AOS XAVANTES - GAZETA - 15/08/97)

Ela apela ao patriotismo dos brasileiros para que o veículo seja devolvido:
    Vamos ser bons, compreensivos, sábios e inteligentes, encontrar uma forma amigável de resolver este caso. Por favor, devolvam o Toyota, eu vos peço aos caciques e lideranças indígenas, ao administrador da Funai, precisamos de um carro pois a FNS está com tão pouco e ainda perde mais um. O que faremos? Não é meu, não é seu, é do governo, é do País, é do povo e dos brasileiros que habitam nesta terra que é o nosso Brasil.

Para facilitar a leitura pelos consumidores de jornais, a imprensa "aportuguesa" os nomes indígenas, divergindo das regras convencionadas pela antropologia.

Por essas regras, definidas em 1953 pela Associação Brasileira de Antropologia, os nomes de povos indígenas não podem ser flexionados nem em gênero nem em número, pois trata-se da identificação de um povo. Assim, Enawenê-nawê se refere tanto a um índio deste grupo quanto ao grupo todo, diferente de "brasileiro", flexionado e em minúsculo por possuir diversas culturas, não representando uma unidade.

Entretanto, o Manual de Redação da Folha de São Paulo (1992:81) ensina aos seus jornalistas que nomes de nações, povos e tribos indígenas do país são flexionados como os de qualquer etnia, povo, ou nação. Da mesma forma o Manual de Redação e Estilo de O Globo (1997:63) repassa aos seus leitores que nomes de tribos indígenas são grafados no plural. E ainda recomenda o aportuguesamento dos nomes indígenas, que devem ser grafados sem o "w", "y" ou "k".

No caso da imprensa mato-grossense, há uma falta de convenções. Embora na maioria dos casos siga-se as regras definidas pelos manuais de redações há exemplos de total falta de conhecimento. Os Nambikwara servem de exemplo. Eles foram grafados de pelo menos três maneiras: nhambiquaras, inhambiquaras e Nambiquaras. Ou seja, ficou livre ao conhecimento do jornalista a forma de se escrever os nomes das nações indígenas.

O baixo índice de matérias de opinião reflete que praticamente não houve no período analisado uma reflexão nas linhas editoriais dos jornais sobre as causas e conseqüências das lutas indígenas, conforme ressalta Siqueira:

    a notícia relacionada com a questão indígena é sempre factual. Sobre ela não há maior reflexão de suas causas e conseqüências que se traduziriam por editoriais, artigos ou mesmo as "suítes", ou seja, o tratamento continuado dessas matérias (1992:227).
Todas as vezes que matérias saíram publicadas a respeito dos índios, o homem branco estava envolvido. E ambos trocavam de papéis, de acordo com o episódio, sendo ora o índio bom e o branco mau e vice-versa. No caso da Reserva Sararé os garimpeiros eram os maus porque estavam invadindo uma área que não lhes pertencia. Entretanto, quando se amontoaram em Pontes e Lacerda e os Nambikwara começaram a se impacientar com as invasões foram estes que se converteram em vilões, deixando de serem vítimas. Quando os Xavante se manifestam contra a hidrovia Paraguai-Paraná eles são encarnados como protetores da natureza, mas quando são acusados de receberem um "salário" da Funai, mudam de personagem.

A grande maioria das matérias se referiu às reservas indígenas e era explicitada a área, mas sem explicações sobre o porquê da extensão, que é uma área muito menor a anteriormente ocupada pelas sociedades indígenas e que foi delimitada por brancos. Esse fato serve para reforçar preconceitos, pois o que um sem terra, um fazendeiro ou mesmo um morador da cidade vai pensar de mil hectares para cada índio, sem entender a necessidade?

Essa atitude e o desinteresse dos leitores podem ser comprovados nas respostas dos jornalistas (ver Anexo I):

    O público se interessa muito pouco por índio (...) as editorias erram ao dar destaque para esses assuntos, que só merecem registros. O leitor quer futebol, boas histórias, bons exemplos e, acima de tudo, crimes.

    Quando os índios estão morrendo, mas não ameaçam os brancos, o "leitor médio" de jornal não quer nem saber.

    A sociedade (classe média) é contra o fato de os índios terem reservas intocadas pela lei. Como a maioria das reportagens dizem respeito às reservas, há uma reação ruim da classe média.

Ou seja, embora as notícias sobre temas indígenas sejam verdadeiras e fidedignas, a "angulação" das matérias deixaram passar preconceitos (muita terra para pouco índio) e estereótipos (vítimas porque "impotentes" e violentos porque "selvagens").

4 - MÉTODO DA SEMANA COMPOSTA

O método da Semana Composta consiste em verificar quantitativamente a constância ou o enfoque de um assunto nos meios de comunicação. Analisa-se o conteúdo veiculado em um domingo, depois na segunda-feira da outra semana, depois na terça-feira da seguinte até se completar todos os dias da semana. Esse método tenta evitar viéses que possam ocorrer em outros métodos. A coleta das edições do Diário de Cuiabá e de A Gazeta foi feita nos mesmos dias.

Em cinco dos sete dias da Semana Composta foram registrados quatro notícias e uma crônica sobre assuntos indígenas. Em três desses dias houve chamadas na primeira página, comprovando um certo interesse em se noticiar esse tema. Apesar disso, os dois jornais não trataram do mesmo assunto nas edições analisadas, o que poderia ser um confronto de interesses editoriais.

No dia 03 de março, a Gazeta trazia no canto inferior direito da primeira página, uma chamada referente à morte do sertanista Cláudio Villas Bôas. Havia uma foto de arquivo (sem legenda) de Villas-Boas com duas crianças índias. O texto, de uma coluna e 6,5 cm de altura, reprodução do lead, destaca a perda que os índios do Brasil tiveram:

    Os povos indígenas de todo o país perderam no último final de semana um dos mais importantes sertanistas brasileiro, Cláudio Villas Bôas, que, em companhia dos seus dois irmãos, ficou 32 anos na selva fazendo contato com índios arredios (grifo nosso). Neste período, criaram reservas e defenderam a causa indígena, inclusive criando a própria Fundação Nacional do Índio (Funai) em 1967 e o Parque Nacional do Xingu.

Na página 3C, do caderno Geral, é destacada a importância do Parque Nacional do Xingu, criado pelos irmãos Villas Bôas e também a "Marcha para o Oeste", expedição dos três irmãos pelo Brasil Central e Amazônia que resultou no contato de 21 grupos indígenas.

Na quinta-feira, 19 de março, vem à público a notificação do primeiro caso de Aids em um índio mato-grossense. A Gazeta traz na primeira página uma caixa18 (4,8 X 10,3 cm) logo abaixo do título e ao centro a foto de um Bororo e do administrador regional da Funai em Cuiabá, Idevar Sardinha: O Ministério da Saúde notificou o primeiro caso de Aids em um índio em Mato Grosso. Em todo o País, é o quinto caso. A vítima é um bororo.

Na página 01 do caderno Geral é informado aos leitores que a descoberta só foi possível porque dois técnicos do Ministério da Saúde estiveram em Rondonópolis para fazer um levantamento das condições de saúde das aldeias (NOTIFICADO 1º CASO DE EM ÍNDIO NO ESTADO). A partir do terceiro parágrafo o enfoque dado é para a elaboração de um programa de prevenção de doenças sexualmente transmissíveis (DST) e Aids em aldeias indígenas. No sexto parágrafo a matéria alerta que os cinco casos registrados de Aids em índios preocupa porque apesar do crescente processo de aculturação (grifo nosso) da maioria das 215 etnias do país muitas tribos ainda vivem isoladas e não têm qualquer contato com os brancos.

Do modo como foi escrito pelo jornalista ele está sugerindo que o "processo de aculturação" (conceito abandonado pela moderna Antropologia) é benéfico às sociedades indígenas, pois as "aculturadas" teriam mais facilmente acesso, no caso, à medicina preventiva da sociedade envolvente.

A teoria da aculturação acredita que o contato interétnico, ou seja, entre sociedades diferentes, faz que a cultura "mais fraca" se descaracterize frente a cultura "mais forte", é uma teoria etnocêntrica19. No exemplo da matéria as sociedades indígenas sucumbiriam à branca. Esse conceito foi abandonado pela moderna antropologia tendo em vista que as sociedades podem se apropriar de elementos de outra sociedade sem perder os elementos de sua cultura. Os Xavante e os Bakairi, por exemplo, utilizam a escola para ensinar aos alunos índios a visão de mundo própria de suas sociedades.

Num box o repórter informa que há um alto índice de desnutrição, alcoolismo e pneumonia entre os povos indígenas no estado. Mas, uma vez mais, não é informado aos leitores as causas desses três problemas levados pelos brancos.

A única matéria referente a um grupo indígena de outro estado saiu na Gazeta no dia 27 de março. O texto foi reproduzido da Agência Estado sobre uma disputa entre duas "facções" dos Quiriri que vivem na reserva de Mirandela, a 296 quilômetros de Salvador (BA). A matéria os trata como indisciplinados, que precisam de tropas do Exército, Polícia Militar e agentes federais (...) para evitar um conflito dos quiriris, armados com arcos e flechas (CLIMA É TENSO ENTRE QUIRIRIS):

    Os quiriris brigam pelas terras de Mirandela desde a década de 70. Primeiro entraram em conflito com fazendeiros e posseiros depois que a reserva de 12.320 hectares foi demarcada em 82 (e legalizada em 96) começaram a abrigar entre si, disputando cada palmo da área.
Esta matéria junta dois estereótipos muito comum que se tem sobre os índios: o primeiro, de que às vezes eles são violentos e selvagens e o segundo de que possuem mais terras do que precisam para viverem. Maria de Lourdes Nosella observa que esses estereótipos são os mesmos tratados em livros escolares infantis:
    Os textos de leitura apresentam descrições desses "selvagens", como "um bando de golfinhos", isto é, como alegres animais inofensivos. Ou então, contraditoriamente, como selvagens, capazes de guerras terríveis e cruéis, bárbaros horríveis e alucinados. (...) Os índios possuem já uma quantidade de terra suficiente... (1981:192)
O atraso na demarcação da reserva Panará foi o assunto da única matéria sobre a temática indígena verificada no Diário. Na primeira página, a chamada no canto inferior direito culpa a Funai pelo atraso. Os Índios Gigantes são vistos como vítimas exemplares dos contatos com os brancos.
    Vítimas históricas de pressões, doenças e invasões de terra nos últimos 25 anos, os panarás começam a se impacientar com a demora. (...) A Funai precisa agilizar a demarcação, porque está muito difícil agüentar", disse o cacique Aká Paraná, em sua língua. "Se não fizer logo, as coisas vão piorar" (BUROCRACIA ATRASA DEMARCAÇÃO DA RESERVA PANARÁ, NO EXTREMO NORTE)
Num momento raro na imprensa mato-grossense, são os caciques que falam sobre esse problema que eles, os Panará, enfrentam. O cacique Aká falou na sua língua e foi traduzida para o repórter.

Dois boxes integram a página B-1. O primeiro sobre o livro "Panará A volta dos índios gigantes". O outro, na verdade uma outra notícia, sobre o anteprojeto de cursos universitários indígenas na UFMT e Unemat:

A única expressão do jornalismo opinativo observada pela Semana Composta foi uma crônica do historiador e membro da Academia Mato-grossense de Letras, Luis-Phillipe Pereira Leite que versava particularmente sobre Cândido Rondon. O texto, no caderno de cultura do Diário (D-3), não relacionou Rondon a algum grupo indígena, a não ser por um detalhe:

    Filho da índia Claudina, guardou pela sua gente pela terra do berço, entranhado amor. (...) Sua vida foi marcada por a ascensorial trajetória de lutas, principalmente pelos sertões que o colocou entre os grandes sertanistas de todos os tempos" (RONDON).
Apesar de ter sido verificado uma certa freqüência de veiculação de assuntos indígenas por esse método, em nenhum dia a mesma notícia foi veiculada pelos dois jornais, apontando que geralmente não há interesse da imprensa por essa temática.

As duas nações que vivem em Mato Grosso (Panará e Bororo) explicitadas nas matérias dos jornais são, pode-se dizer, bastante conhecidas. Representam para a imprensa e para a sociedade mato-grossense a figura dos "índios de plantão". Os Panará, que chamaram a atenção da mídia nacional desde a época do primeiro contato, em 1973, e da remoção do seu povo para o Parque Nacional do Xingu para que seu território desse passagem a BR-163, ligando Cuiabá a Santarém. Recentemente voltaram aos noticiários quando, quase extintos, puderam voltar a região de origem (Guarantã do Norte) e lutar pela demarcação da área. E os Bororo, talvez o povo mais significativo para os cuiabanos já que a capital foi erguida em cima do território dos Coxiponé, um subgrupo dos Bororo. Desde o início da imprensa mato-grossense eles foram notícia nos jornais (ver capítulo 01).

A imprensa local, então, só considera noticiáveis as sociedades indígenas já conhecidas pela população, descartando e ignorando as outras, que aí sim só têm espaço em casos excepcionais, como os Quiriri da Bahia. Os motivos podem ser falta de interesse dos editores, falta de conhecimento dos repórteres e precariedade dos jornais em ir atrás dos fatos noticiosos que ocorram fora da capital.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pela conferência das matérias dos jornais A Gazeta e Diário de Cuiabá, em todas edições no ano 1997 e pelo método da semana composta percebeu-se que houve uma constância na divulgação de informações sobre diversas sociedades indígenas no estado de Mato Grosso. Em alguns casos graves, como a rotineira ocupação de madeireiros e garimpeiros na Reserva Sararé, os dois jornais deram ampla cobertura, embora o enfoque, às vezes, possa ter sido discutível.

Em certa medida, todas as hipóteses levantadas na introdução deste trabalho foram comprovadas.

De fato, os assuntos indígenas são quase somente ligados a terras, seja demarcação de alguma reserva, ocupações de brancos em terras indígenas ou justamente o contrário.

Outras questões, como a educação escolar e a saúde indígena são tratadas de forma esporádica e sem uma real compreensão dos fatos. Ou seja, não há interesse da mídia em assuntos que não afetem, explicitamente, o seu público consumidor.

A sociedade brasileira conhece pouco e tem introjetados muitos estereótipos e preconceitos em relação aos povos indígenas do país. Esta é uma verdade que pôde ser averiguada pelo material noticioso coletado e analisado nessa pesquisa, uma vez que a imprensa local reflete a sociedade dessa região. Assim sendo, a sociedade envolvente se interessa mais pela folclorização dos índios do que pela valorização das identidades indígenas. Mesmo nas matérias que visaram mostrar um pouco a realidade de algum grupo indígena o mais observado foi a vangloriação dos índios como "guardiães da natureza", "guerreiros" e "vítimas" dos brancos.

Ou seja, apesar de muitas notícias sem preconceitos e uma quantidade até surpreendente de notícias, no geral as informações, da maneira como foram reprocessadas e passadas para o público-leitor, serviram mais para reafirmar preconceitos e estereótipos que para esclarecer o consumidor.

Um desses motivos é o descompasso entre as informação correntes dos produtores de notícias e as teorias da moderna antropologia. O conceito de aculturação, abandonado pela antropologia, é um exemplo bastante preciso. A falta de especialização dos jornalistas pode gerar ou agravar preconceitos ao tratar temas complicados, principalmente em relação a minorias étnicas ou sociais.

Os índios, principais personagens das matérias analisadas, quase não foram citados como fonte, comprovando a hipótese que a imprensa não os ouve. É uma falha grave cometida pela imprensa, pois quando os jornalistas vão atrás somente das fontes oficiais (Funai, Polícia Federal e Ministério Público) as notícias têm uma tendência maior de sair enviesada.

A grafia errada dos nomes indígenas pelos jornais também é outra falha, embora seja "desculpável" nos manuais de redação pelo motivo de pretender tornar mais fácil a leitura desses nomes pelo público.

O fato de somente os "índios de plantão" (Xavante, Bororo, Panará, Nambikwara e Paresi) serem transformados em notícias revela a falta de interesse mas também a precariedade das empresas jornalísticas em cobrir assuntos que exijam um pouco mais de trabalho.

Na prática, como foi averiguado, não existe uma imprensa opinativa que realmente discuta a questão indígena. O artigo é o único espaço dedicado a especialistas, que não são jornalistas, para debater a temática indígena. Mesmo assim só em momentos excepcionais como no caso do assassinato do Pataxó Galdino dos Santos, em Brasília, da Operação Sararé II e nas discussões sobre a implantação das hidrovias Paraguai-Paraná, Araguaia-Tocantins e do Madeira.

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1 Dados atualizados foram adquiridos no site da Funai, pela Internet. 2 Um dos engenheiros da Comissão de Linhas Telegráficas Rondon. Neste artigo ele defende a atuação de índios na conservação de linhas telegráficas, defendendo acusações de um jornal carioca.

3 BELTRÃO, Luiz. O Índio, um Mito Brasileiro. Petrópolis: Ed. Vozes, 1977 4 RICARDO, Carlos Alberto. "Os Índios" e a sociodiversidade nativa contemporânea do Brasil. In: SILVA, Aracy Lopes & GRUPIONI, Luis Donisete Benzi. A temática indígena na escola: novos subsídios para professores de 1º e 2º graus. Brasília: MEC/MARI/UNESCO, 1995.

5 SIQUEIRA, Priscila. Imprensa e Questão Indígena: relações conflituosas. In: GRUPIONI, Luís Donisete Benzi (org.). Índios no Brasil. Brasília: MEC, 1994. 6 MELO, José Marques de. A Opinião no Jornalismo Brasileiro. 2ª ed. Petrópolis: Ed. Vozes, 1994. 7 MARCONDES FILHO, Ciro. O Capital da Notícia: Jornalismo como produção social de segunda natureza. 2ª ed. São Paulo: Ática, 1989.

8 Para Maria Baccega (1995:14), a objetividade é um processo de superação da subjetividade, determinaria pelo nosso conhecimento do mundo. Alberto Dines (1996:120) afirma que o jornalista seleciona e opta durante todo o tempo do seu trabalho, do momento da entrevista ao texto final da matéria.

9 SODRÉ, Muniz. Reinventando a Cultura: a comunicação e seus produtos. Petrópolis. Ed. Vozes, 1996.

10 DINES, Alberto. O Papel do Jornal. 6ª ed. São Paulo: Summus, 1996 11 O Diário de Cuiabá foi fundado em 1968 pelo jornalista Alves de Oliveira. Atualmente o jornal circula com uma média de 30 páginas nos dias de semana e 55 aos domingos. A redação do Diário de Cuiabá é totalmente informatizada e a paginação é eletrônica desde 93. Foi o primeiro jornal a circular às segundas-feiras e o primeiro a ter sua versão on line na Internet. No final de abril deste ano fez algumas mudanças na apresentação do jornal, a principal foi a mudança do logotipo. Este ano, este jornal está apoiando o candidato ao governo do estado Júlio Campos e a Unidade Democrática.

12 A Gazeta foi fundada em 23 de maio de 1990 e pertence à Gráfica Editora Centro-Oeste Limitada, cuja composição societária é dividida entre alguns diretores da Construtora Triunfo, majoritários, e o jornalista Dorileo Leal. Integra o Grupo Gazeta de Comunicação, que possui ainda emissora de televisão, emissora de rádio, instituto de pesquisa, além da gráfica.. Nos dias de semana circula com uma média de 36 páginas, aos domingos chega a 75 páginas. Ao completar seu oitavo aniversário, a Gazeta mudou o seu projeto gráfico, passando a circular em cores e com mais cadernos, além de inaugurar sua versão on-line na Internet. Apóia o governador de Mato Grosso, candidato à reeleição, Dante de Oliveira.

13 Não foi localizado no arquivo do Grupo Gazeta os jornais do mês de maio de 1997, quando foi realizada esta pesquisa, nos meses de abril e maio de 1998. Esse mês foi contabilizado apenas com alguns exemplares de A Gazeta adquiridos em outros locais.

14 OPAN/CIMI Dossiê Índios em Mato Grosso. Cuiabá: Gráfica Cuiabá, 1987. 15 Operação Sararé foi o nome da operação realizada pela Polícia Federal em dezembro de 1992, pressionada pelo Banco Mundial e entidades de direitos humanos, que retirou pacificamente 5 mil garimpeiros da Reserva Sararé. A desocupação realizada em 1997 nessa mesma área ficou conhecida como Operação Sararé II.

16 O artigo 231 da Constituição Federal afirma não ter efeito jurídico a ocupação, domínio ou posse de terceiros para exploração de recursos naturais de solo, rios e lagos ocupados tradicionalmente por povos indígenas.

17 Maria de Lourdes Nosella dedica um capítulo em As Belas Mentiras sobre como os índios são tratados nos livros didáticos.

18 Chamada para reportagens internas no alto da Primeira Página e das capas dos cadernos. Editada entre fios, como uma moldura. Ver anexos. 19 É una visão de mundo onde o nosso próprio grupo é tomado como centro de tudo e todos os outros são pensados e sentidos através dos nossos valores, nossos modelos, nossas definições do que é a existência (Rocha: 1994:07).

Fonte:

http://bocc.ubi.pt/pag/alves-andre-questao-indigena1.html