1. Resumo da obra
Raízes do Brasil, obra símbolo de uma época, foi publicada em 1936 sob a autoria de Sérgio Buarque de Holanda, quando ainda não era o “pai do Chico”. O livro, curto, claro, discreto e objetivo, divide-se em sete capítulos que, juntos, teorizam sobre nossa formação histórica e social.
O capítulo 1 caracteriza a Península Ibérica assinalando que o seu desenvolvimento, por se dar em um território fronteiriço, não ocorreu da mesma forma que em outros países europeus. Esse fato deu à região uma série de características peculiares, que seriam trazidas ao Brasil no bojo das grandes conquistas marítimas. Entre esses aspectos singulares estava a cultura da personalidade, na qual o apego pelo prestígio pessoal resultava na ausência de uma moral de culto ao trabalho, diferente dos países protestantes. Daí teria origem uma outra característica importante: a fraqueza das instituições e falta de organização social. Em contrapartida, o fato de os hispânicos não conceberem uma disciplina baseada em consentimento coletivo, gerava entre eles um paradoxal senso de obediência.
No capítulo 2, seguindo o paradigma das tipologias weberianas, são construídos os modelos do trabalhador e do aventureiro. O primeiro, único que poderia colonizar o Brasil justamente por possuir uma excepcional adaptabilidade, caracterizava-se por buscar novas experiências, ignorar fronteiras e viver de horizontes distantes. Já o segundo era marcado pelo esforço persistente, por conseguir tirar proveito das insignificâncias e ver antes a parte que o todo. A grande lavoura, principal unidade produtiva da colônia, se constituiu não com base em um plano preconcebido pelos portugueses, mas sim ao sabor das condições primitivas do meio. O uso de escravos foi a forma escolhida para o trabalho, o que também se adequava à repulsa lusitana pela atividade manual e contribuía para diminuir ainda mais a necessidade de cooperação entre os conquistadores.
Herança colonial, o capítulo 3, tematiza a estrutura rural da sociedade colonial. O declínio da mesma se deu a partir de 1850 em função do fim do tráfico escravo, que era sua base de sustentação desde o século XVI. Nesse contexto, se estabelece uma nova dicotomia, a relação rural-urbano, que se manifesta igualmente no universo mental, onde a visão de mundo tradicional entra em conflito com valores modernos. O malogro de Mauá, em tempos onde o patriarcalismo e o personalismo eram hegemônicos, aponta para a incompatibilidade das estruturas nacionais com as práticas mais “industrializantes”. Aqui, a fazenda, vinculada a uma idéia de nobreza, ainda predomina sobre a cidade.
Estreitamente ligado ao capítulo anterior, “O semeador e o ladrilhador”, um dos mais brilhantes do livro, estabelece uma nova oposição. O espanhol, ou o ladrilhador, se caracterizava por tornar suas cidades um exemplo de racionalidade, onde a linha reta obtinha o triunfo. O semeador, ao contrário, representava o português, aferrado ao litoral, que construía cidades irregulares, nascidas e crescidas sem o mínimo planejamento. A origem desses traços lusitanos era explicada pelo seu desejo de fazer fortuna rápida, dispensando o trabalho regular.
O quinto capítulo, um dos mais discutidos, aborda alguns elementos que definiriam (não de forma absoluta) a identidade nacional. Apropriando-se de um conceito de Ribeiro Couto[1], Sérgio Buarque afirma que o "homem cordial" é resultado da cultura patrimonialista e personalista própria da sociedade brasileira. A nossa cordialidade enfatizava o predomínio de relações humanas mais simples e diretas que rejeitavam a polidez e a padronização, características da civilidade. A dificuldade de constituição de um Estado “civil” brasileiro se expressava no fato de que essa instituição não era (e não é) um prolongamento da família. A hegemonia de valores familiares e patriarcais, vinculadas também ao homem cordial, impedem uma distinção clara entre a noção de público e privado.
O sexto capítulo debate as consequências da presença lusitana na configuração da sociedade brasileira, a partir da vinda da família real para o Brasil. Apesar do choque causado aos velhos padrões coloniais, a permanência do personalismo português determina alguns traços da nossa intelectualidade, ou seja, o conhecimento (superficial) era importante apenas na medida em que dava prestígio e diferenciação. O apego às idéias fixas e simplórias facilitava o trânsito do positivismo entre nossos pensadores. A decorrência disso na vida política correspondeu à ausência de um espírito democrático, demonstrando a necessidade de transformar o paradigma dos movimentos reformistas, feitos, até então, somente de cima pra baixo.
O sentido marcadamente político da obra aparece em “Nossa revolução”, onde o autor demonstra a diferença das revoluções ocorridas aqui na América em comparação com os movimentos europeus. E no caso brasileiro, apesar do urbano ir assumindo a sua independência em face do rural, esse processo ainda não está completo. Somente quando aniquilarmos as raízes ibéricas de nossa cultura e propiciarmos a emergência das outras camadas sociais, aí sim teríamos finalmente concluído a nossa “revolução”. É evidente, nos alerta Sérgio Buarque, que ao ocorrer esse processo, as resistências conservadoras poderão surgir, no entanto, ainda podemos acreditar que uma democracia efetiva se concretize na América Latina. E é pela defesa desse ideal que o caráter político de Raízes do Brasil salta aos olhos em seu último capítulo, finalizando um trabalho de peso na nossa historiografia.
Análise Da Obra 'Raízes Do Brasil', De Sérgio Buarque De Holanda
http://www.artigonal.com/literatura-artigos/analise-da-obra-raizes-do-brasil-de-sergio-buarque-de-holanda-896189.html
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