quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Caio Prado Jr., Contemporâneo

Formação do Brasil contemporâneo INTRODUÇÃO
Em Seqüências Brasileiras – ensaios (1999), discutindo o livro Formação da Literatura Brasileira de Antonio Candido, Roberto Schwarz sugere que os “livros que se tornam clássicos de imediato, como foi o caso da Formação da literatura brasileira, publicada em 1959, às vezes pagam por isso, ficando sem o debate que lhes devia corresponder. Passados quarenta anos, a idéia central de Antônio Cândido mal começou a ser discutida” (Schwarz, 1999: 46). Concordando com essa sugestão de Roberto Schwarz, que também afirma que, no caso de Antonio Candido, “a originalidade maior do trabalho está na concepção geral, na idéia de formação” (Idem, 1999, 12), tomamos o potencial educativo dos seus argumentos para avaliarmos o caso específico de Caio Prado Júnior (1907-1990) e da leitura de seu “clássico” Formação do Brasil Contemporâneo, de 1942. Assim, podemos dizer que, se por um lado o livro do historiador paulista não teve a aceitação imediata que parece ter tido A Formação da Literatura Brasileira, o caso se aplica também a Caio Prado Júnior no que se refere a seu livro ter se tornado um “clássico”, sem ter obtido, ao mesmo tempo, o debate que merecia. Está em curso, neste momento, justamente o surgimento de trabalhos, sobretudo monográficos, que, procurando repensar os “clássicos” do pensamento social brasileiro - como é o caso do debate em torno de autores como Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Holanda, por exemplo -, tornam propício o resgate também da obra de Caio Prado Júnior. Assim, no que diz respeito a este último autor, a despeito da relativa demora da ocorrência do debate em torno da sua obra, mesmo no âmbito daquele processo de reavaliação dos autores “clássicos” do pensamento social brasileiro, podemos destacar como positiva a possibilidade, trazida também pelo tempo e adensamento do conhecimento acumulado nas ciências sociais brasileiras, de uma leitura mais isenta - maior ou menor em cada caso – do envolvimento emotivo que tais obras eram capazes de suscitar em outros tempos. Podendo, assim, contribuir para um debate maduro capaz de repensar aquelas obras a partir da perspectiva dos problemas atuais do pensamento social e da sociedade brasileira. O presente trabalho pretende se inserir dentro desta corrente de reavaliações do pensamento social brasileiro. Pretende operar uma “desnaturalização” da leitura de Formação do Brasil Contemporâneo e elege como fio condutor para tanto destacar a idéia de formação, entendendo esta categoria como uma chave analítica central para o desenvolvimento da narrativa historiográfica de Caio Prado Júnior. A hipótese que quero explorar é a de que a idéia de formação, como articulada no contexto da escrita de Formação do Brasil Contemporâneo, tanto permitiu uma interpretação dentro de um contexto mais amplo, macrosociológico, por assim dizer, da estrutura da Colônia e do sentido da colonização, como possibilitou, por via inversa, ao autor se debruçar sobre as relações sociais específicas que constituíram, neste percurso, as bases não só institucionais e portanto, “oficiais” da nação que tomaria corpo (a partir do início do século dezenove) como moldou formas de sociabilidade e conformou práticas e condutas que a nível da vida cotidiana resultou na formação de uma “identidade” ou “cultura” que resultará em uma sociedade determinada, a sociedade brasileira, objeto central do autor entendida nos termos da unidade nos termos de uma nação pensada e elucidada a vista de suas contradições e sentido. Deve-se dizer, portanto, que um tal trabalho tem por motivação a idéia de que, mais que um interesse puramente histórico ou ainda de destacar a possível genialidade de um autor, um estudo analítico de Formação do Brasil Contemporâneo para nós é pertinente pela capacidade de Caio Prado Júnior, nesta obra, articular com segurança determinada metodologia, e, portanto, por sua capacidade de trazer para a historiografia brasileira elementos desenvolvidos pelas ciências humanas, principalmente pelas ciências sociais, a geografia, a filosofia e ainda, poderíamos dizer, pela antropologia contemporânea - haja visto a importância dada pelo autor ao trabalho de campo e à etnografia dos viajantes franceses em expedição no Brasil no século XIX. A idéia de formação, como sugere Roberto Schwarz, é central na experiência intelectual brasileira. A esse respeito, aliás, o autor filia o livro de Antonio Candido ao de Caio Prado Júnior, valendo lembrar que também a idéia de “momentos decisivos“ que figura no subtítulo de A Formação da Literatura Brasileira é devedora da obra do historiador paulista. Como sugere Schwarz: “Quando o livro saiu, alinhou-se, entre várias obras de perspectiva paralela e comparável, que buscaram acompanhar a formação do país em outros níveis. No campo progressista, os congêneres mais importantes e conhecidos eram os livros de Caio Prado Jr., Sérgio Buarque de Holanda e Celso furtado” (Idem, 1999: 54). A idéia de formação foi discutida em registo semelhante também por Paulo Arantes. Entendendo por formação a busca de “linhas evolutivas mais ou menos contínuas” para a vida social como tema central no pensamento social brasileiro, Arantes observa que mais do que “uma experiência intelectual básica”, ela constitui “verdadeira obsessão nacional” no Brasil (Arantes, 1997: 11). Como se trata, para o autor, importante enfatizar, de uma noção “a um tempo descritiva e normativa, compreende-se, além do mais que o horizonte descortinado pela idéia de formação corresse na direção do ideal europeu de civilização relativamente integrada – ponto de fuga de todo espírito brasileiro bem formado” (Idem, 1997: 11-2). Como aliás, sugere Arantes (Ibidem), bem indica sua recorrência, em medidas e sentidos distintos, em obras capitais do pensamento social brasileiro, muitas vezes figurando nos próprios títulos, entre as quais poderíamos destacar: Evolução do Povo Brasileiro (1923), Casa-grande & Senzala (1933), Evolução política do Brasil (1933), Raízes do Brasil (1936), Formação do Brasil contemporâneo (1942), Os donos do poder. Formação do patronato político brasileiro (1958), Formação da Literatura Brasileira (1959), Formação econômica do Brasil (1959) e, mais recentemente, Trato dos Viventes - Formação do Brasil no Atlântico Sul, de Luís Felipe de Alencastro entre outras. Embora sejam muitas as referências à idéia de formação de Caio Prado Júnior na literatura pertinente, elas em geral mantém um certo caráter genérico, mesmo naqueles trabalhos dedicados exclusivamente à análise da obra do historiador paulista. Num desses trabalhos mais recentes analisados nesta dissertação, ou melhor, no prefácio a um desses trabalhos, a questão é posta em primeiro plano. A idéia de formação, como sugere Elide Rugai Bastos no prefácio do livro de Rubem Murilo Leão Rego, Sentimento do Brasil: Caio Prado Júnior – continuidades e mudanças no desenvolvimento da sociedade brasileira, constitui categoria central da obra de Caio Prado Júnior. Discutindo a forma narrativa de Formação do Brasil Contemporâneo de Caio Prado Júnior, Bastos sugere que esta, inserindo-se em certa tradição hispano-americana, se apresenta sob o gênero ensaio e tem por objetivo claro fornecer, em amplo sentido, uma interpretação a nível nacional. Em suas palavras, a despeito do sentido pejorativo que o termo ensaio pode assumir em certos momentos e contextos, ele define o significado e o tipo de obra que Caio Prado Júnior desenvolveu. Articulando a idéia de formação à forma ensaio, para Bastos aquela idéia estaria no centro das inovações que Caio Prado Júnior imprime na historiografia brasileira e constitui peça chave para a compreensão do seu trabalho. Para a autora: A palavra ensaio, longe de indicar estudos que fogem ao rigor científico e se desenvolvem apenas segundo impressões fugidias, refere-se, antes, às análises que visam elaborar uma síntese sobre as sociedades nacionais, estando assim umbilicadamente ligadas à idéia de formação e propondo-se a indagar sobre o sentido dessas formações. Em outros termos, nesses ensaios explicita-se um esforço para dotar de sentido o mundo estudado, buscando-se superar a situação individual do ensaísta (Bastos, 2000: p. 15). Reconhecendo a amplitude da problemática identificada em algumas das possibilidades interpretativas da idéia de formação, bem como alguns dos diferentes significados e sentidos que ela pode assumir no pensamento social brasileiro, cumpre advertir que no âmbito desta dissertação circunscrevemos a análise ao texto de Caio Prado Júnior. Assim procedendo, nosso objetivo é evidenciar algumas possibilidades abertas pela idéia de formação do historiador paulista. Assim, no primeiro capítulo apresenta-se os resultados da pesquisa bibliográfica sobre Caio Prado Júnior. Devemos dizer que ao operarmos uma seleção de textos relevantes não pretendemos dar conta da totalidade dos trabalhos que se debruçaram sobre o tema mais privilegiar a escolha de obras mais recentes que procuraram, na atualidade, tratar do tema. Assim procuraremos caracterizar as principais questões tratadas nas reavaliações recentes da obra de Caio Prado Júnior e, em particular, dar ênfase à categoria formação, no contexto de seu livro Formação do Brasil Contemporâneo, situando, na medida do possível, estas reavaliações frente a análises contemporâneas sobre o pensamento social brasileiro. No segundo capítulo pretendemos traçar os principais aspectos da trajetória de Caio Prado Júnior tendo em vista sua vida intelectual e política. Este conta ainda com uma segunda parte na qual indicaremos elementos centrais do horizonte ou contexto intelectual de Formação do Brasil Contemporâneo, bem como nos debruçaremos sobre a estrutura do livro, nos moldes em que é dividido, povoamento, vida material, vida social. No terceiro capítulo analisaremos a idéia de formação visando alcançar os objetivos já anteriormente explicitados. Neste ponto faremos um adendo ao texto acerca da concepção de história em Karl Marx. Pois, pelo que consideramos, a obra de Caio Prado Júnior deve muito a este autor e à tradição intelectual e política por ele inaugurada quanto à compreensão do presente histórico como resultado de um processo – até mesmo de um processo de formação. Nessa aproximação, todavia, não se reivindica exatamente um caso de influência direta, o que nos obrigaria a uma pesquisa mais sistemática que foge ao âmbito desta dissertação. Questão que aliás, dada inclusive a pouca freqüência de citações na obra de Caio Prado Júnior como um todo de autores marxistas, constitui objeto de controvérsias na literatura pertinente.
Fonte: DACOL, Letícia Villela. A idéia de formação em Caio prado Júnior / Letícia Villela Dacol. Rio de Janeiro: UFRJ, IFCS, 2004. (p.9 - 15) _________ http://www.ifcs.ufrj.br/~ppgsa/mestrado/Texto_completo_207.prn.pdf, acesso agosto de 2010.

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