quarta-feira, 18 de agosto de 2010

4- A cultura contemporânea – Fernando de Azevedo

Apontamentos Sobre Fernando de Azevedo: Pioneiro da Psicomotricidade na Escola Pública Brasileira

Autor: Fernando Magalhães Resumo: Pretendemos neste artigo, apresentar as teorias do educador Fernando de Azevedo (1894-1974), signatário e um dos principais mentores do “Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova”, que, em 1932, lançou as bases do escolanovismo no Brasil. Seu pensamento, fortemente influenciado pela nascente psicanálise e pela corrente higienista que moldou a política nacional nas primeiras décadas da República, nos quarenta anos entre o fim do século XIX e o início do século XX, preconizava as atividades físicas na escola pública brasileira como vitais para o desenvolvimento de uma sociedade sadia, tanto física como mentalmente. Pouco conhecido por este viés, já que sua carreira de administrador educacional se sobrepôs naturalmente a esta vertente, o objetivo deste trabalho é assinalar as idéias deste educador que se assemelham com as práticas contemporâneas de uma Educação Integral; preocupada, para além da mera formação intelectual, com o desenvolvimento do aprendente como ser cognoscente singular, através das práticas das atividades psicomotoras como facilitadoras de uma eficaz inserção psico-social da criança no meio em que vive. Introdução: Em sua obra “Novos caminhos e novos fins”, de 1932, Fernando de Azevedo nos apresenta um capítulo que expõe suas concepções sobre a importância da higiene escolar e a própria higiene física do aluno. Escolhendo a Educação Física como um dos principais vetores de suas idéias, Azevedo buscava diferenciar a prática escolar escolanovista dos antigos métodos educacionais, extremamente precários de lecionar; quando, em muitas ocasiões, a sala de aula era um mero espaço de terra batida ou um galpão adaptado para o uso didático com caixotes e tocos de madeira à guisa de assentos para os alunos. Até o início do século XX, este era o cenário da maioria das instituições escolares brasileiras. Após a proclamação da República, os governos estaduais começam a preocupar-se com o ensino e a educação de seus cidadãos. Neste contexto, surge em fins da década de vinte, um grupo de educadores reformistas que, inspirados nas idéias do filósofo e pedagogo norte americano John Dewey, pregam uma “escola nova”, construída especificamente para este mister, com espaços amplos e arejados, e instalações qualificadas para práticas específicas da educação: laboratórios, oficinas e ginásios esportivos. Exemplo maior desta época é o monumental prédio do Instituto de Educação, situado na Rua Mariz e Barros, na Tijuca, Rio de Janeiro; àquela época, Distrito Federal; a capital da jovem República brasileira, ainda em vias de adquirir o epíteto de “cidade maravilhosa”, que, hoje, se esvai na violência e pauperização econômica e social de seus habitantes. Sua arquitetura neoclássica impressiona até hoje pela magnificência de seus muros e torres, dentro dos quais alojaram-se praças e pátios, quadras poliesportivas, piscinas, pistas de atletismo e laboratórios. Na verdade, a ambição do projeto escolanovista ali era bem maior do que simplesmente construir uma bela escola. Projetava-se concretizar naquele espaço uma Universidade voltada para a formação de professores: A UDF - Universidade do Distrito Federal, que foi inaugurada na gestão seguinte a de Fernando de Azevedo como Diretor de Instrução Pública do Distrito Federal, por Anísio Teixeira, seu discípulo, parceiro de idéias e co-signatário do “Manifesto”, e que, lamentavelmente, pelas injunções políticas da época, que levaram o país ao regime do Estado Novo; em 1937, a ditadura de Getúlio Vargas, teve curta vida, sendo fechada e tendo seu magnífico corpo docente dissolvido. É entre os muitas vezes renhidos combates pela Educação nacional que este artigo se produz. Consideramos aqui a importância de assinalar e despertar no leitor a percepção de que não é de hoje que tais combates vêm se travando, e que, portanto, devemos dar a conhecer e, mesmo, reverenciar, a memória de nossos colegas antecessores, que lutaram pela implantação e melhoria de um ensino de qualidade em nosso país, muitas vezes, com o risco de suas próprias vidas e das de suas famílias. Contrapondo-se ao senso comum de que as práticas educacionais inovadoras se baseiam em meros modismos importados, este artigo busca demonstrar que nem sempre a construção de uma educação de qualidade se dá de forma tranqüila e asséptica. Muitas vezes, a realidade é exatamente a oposta. Quando hoje, em nossas escolas, observamos, apesar das muitas mazelas sociais e institucionais, a preocupação com as práticas de caráter psicomotor, da Educação Física, das atividades multidisciplinares e das temáticas transversais, achando-as comuns e naturais, pacatamente inseridas nas grades curriculares de qualquer escola de pequeno porte, não nos damos conta dos imensos esforços despendidos por educadores pioneiros como o foi Fernando de Azevedo. Como nos descreve o texto abaixo, nem sempre as coisas foram como hoje se dão aos nossos olhos embotados pelo desconhecimento e pelo esquecimento. Apagamento da memória social: “Mas a educação popular, para ser “a mais poderosa das forças econômicas”, como a qualificava justamente Rui Barbosa, tem de começar pela proteção higiênica e formação física da população escolar. Se o problema da saúde é capital, em toda e qualquer organização educativa, compreende-se a gravidade extrema que assume onde a clientela das escolas públicas, segundo depoimento de Renato Jardim, se constitui em regra, de crianças franzinas, freqüentemente de aspecto doentio, aglomeradas em pequeninas salas, onde tudo conspira contra a saúde. É preciso certamente tornar obrigatória em todas as escolas do Distrito, a ginástica pedagógica, que deverá encontrar sempre nas escolas espaço suficiente, em que seja ministrada com critério científico, em cursos sistematizados” (AZEVEDO: 1932: p. 33). Podemos considerar, a partir deste estudo, Fernando de Azevedo como um precursor das práticas psicomotoras na escola brasileira. Ao lutar pela implantação de locais apropriados para tais práticas e, pela formação de pessoal docente especializado, Azevedo estabelece a consciência higienista, que perceberá o aluno, não mais apenas “do pescoço para cima”, mas, como um organismo vivo e pulsante, em explosiva e intensa fase de transformações físicas, mentais e emocionais. A prática de exames clínicos e antropométricos é instaurada nas escolas, bem como a assistência dentária, as colônias de férias, os campeonatos desportivos entre bairros e outras práticas estimuladoras da psicomotricidade. Tais lutas se dão permanentemente no cenário educacional. Passamos por boas e más fases, de conquistas e derrotas. Hoje, a educação pública, especificamente no ex-Distrito Federal, passa por uma fase adversa, onde muitas das conquistas acima já se perderam. Entretanto, importa percebermos, como Fernando de Azevedo nos ensinou, que é um dever de todos nós, educadores, representar a voz dos que não podem ser ouvidos. A higiene escolar e a higiene física do aluno: “Em face da miséria orgânica e social da população da maioria das escolas rurais e suburbanas, eu falo em nome das crianças dos meios rurais e operários, filhos da rua e da miséria, brotadas em lares onde escasseia o pão e sobram as provações e onde o agasalho do corpo e a própria subsistência não provém do salário certo, mas de expedientes aleatórios. Eu falo em nome dessas crianças enfezadas e anêmicas, quase maltrapilhas que enchem grande número de escolas públicas, bem perto do bulicío e do fausto dos grandes centros da cidade, e trazem, na tristeza apática, nas olheiras fundas e no olhar sem brilho, quando não nas escolioses, e em toda espécie de estigmas, a marca do meio social em que definham, e todos os sinais de uma debilidade congênita agravada pelas taras hereditárias e pela penúria de meios malsãos, e oferecida como presa fácil à contaminação ambiente” (AZEVEDO: Ibid: p. 50). Fernando de Azevedo não encontrou facilidades na tarefa a qual se propôs, de reformar a escola pública primária como um todo em apenas quatro anos de sua agitada gestão com Diretor de Instrução Pública. Apoios entusiasmados não lhe faltaram, oferecidos pela classe médica e educacional da época: A ABE - Associação Brasileira de Educação; a Associação Brasileira de Higiene, a Liga Brasileira de Higiene Mental, a Associação Dentária Infantil, o Clube das Bandeirantes do Brasil e várias outras associações civis da época reconheciam a importância da luta travada. Entretanto, outros poderes se incomodavam ao extremo com tal agitação no meio educacional. Ao preconizar, por exemplo, a aproximação inédita à época, entre a escola e a família, através da formação dos círculos de pais e mestres, Azevedo feria poderosos interesses, que, até hoje, se pretendem intermediadores do acesso à escola por parte da população. Estes interesses vieram a por fim na experiência inovadora escolanovista; não antes, entretanto, das importantes noções de higienismo e educação física serem efetivamente implantadas nos espíritos e mentes, além das instituições educacionais de nosso país. Os “novos caminhos e novos fins” do título de sua obra, aqui analisada, referem-se a instituição de uma prática de uma educação integral, que buscará despertar no educando a vitalidade e a saúde física imprescindíveis para a alegria do viver. A prática da escola socializante converte os espaços educacionais em laboratórios de práticas de hábitos sociais, com atividades de jogos modeladores dos desejos individuais em atividades de cunho social e de interesse comum. Ao estimular as crianças em sua etapa primária às “coisas do fazer” (Ibid. : p. 81), Azevedo cria a noção de campos de observação, tão importante para a formação do olhar social que contribui para a organização espaço-temporal da criança no seu meio.: “As excursões escolares aos campos, às praias e às montanhas; aos jardins botânicos e zoológicos; aos museus e às escolas de belas-artes, e, sobretudo, às fábricas e oficinas, destinam-se a levar o aluno a novos campos de observação e abrir-lhes oportunidades que a escola não pode proporcionar, pondo-o em contato, pelas excursões, com a natureza e as diversas formas de atividade e produção humana” (Idem). A Escola Nova busca portanto, submeter a apreciação das mentes em formação infantis, não mais as “coisas feitas”, como produtos sociais prontos e acabados, mas, constituir espaços propícios de experimentação e elaboração; campo fértil de observações, gerador de um mundo novo e rico de novidades permanentes, farto de sugestões estimuladoras à curiosidade inquieta das crianças. Azevedo, desta forma, modificou profundamente as relações ensinante-aprendente ao renovar o ambiente escolar, aproximando-a da natureza e da vida no mundo, em todas as suas manifestações instigadoras. Conclusões: Uma escola instrumentalizada com materiais e aparelhos propícios às atividades práticas proporciona os meios para que o trabalho seja o centro da vida escolar em redor do qual gravitam os estudos pelo viés prático, estimulador nos corpos e mentes infantis da consciência corporal através do contato com a terra em atividades como a prática de jardinagem, por exemplo. Ao desenvolver a noção de trabalho social em grupo, Azevedo estimula o rápido e efetivo crescimento e o aperfeiçoamento, através de uma “sintonia fina comparativa” aos parceiros de lida, de aspectos psicomotores, como os da lateralidade, equilíbrio e organização espacial, incentivados em seu desenvolvimento máximo pelos salutares jogos de competição em equipes. Quando se estimula as práticas higiênicas de asseio e cuidados pessoais, bem como se proporciona uma eficiente assistência médica e dentária, naturalmente, se estimula a construção de uma imagem corporal positiva, tornando a criança partícipe dos cuidados com o seu próprio corpo, estimulada a tal prática ao se perceber valorizada pelos cuidados externos da instituição escolar. Também a opção pelo despertar nas tenras mentes infantis das noções de trabalho em cooperação, para além das leis psicológicas elementares de sobrevivência pela ação individual, proporciona ao aprendente uma percepção de orientação temporal mais facilitada, ao apresentar-lhes um delineamento das tarefas sociais que se lhes oferecem ao longo da vida. Interessar as crianças já a partir de tenra idade, na assimilação e no desenvolvimento de seu espaço social por excelência; a escola, é apresentá-las à importante noção de sistema estrutural; ou seja, de governo; integrando-a a uma sociedade em miniatura formada por pequenas comunidades de labor, nas quais elas se habituem a zelar, vigiar, defender, assistir, intervir e, por fim, administrar este meio, preparando-a efetivamente, para a inserção no corpo social maior que é a comunidade humana. Encerramos este artigo com um convite ao leitor para a busca pelo resgate da memória da bela obra de Fernando de Azevedo. É leitura agradável e, apesar do tom às vezes pessimista deste autor que ora vos escreve, deixa no ar uma impressão de otimismo, expectativa e esperança que refrigera o ânimo daqueles que depositam na Educação sua fé em um mundo melhor em todos os aspectos. Como nos diz um contemporâneo seu, Plínio Barreto, em introdução à obra de Azevedo, a quem deixo a palavra final: “A exposição que faz Fernando de Azevedo dos princípios da Educação Moderna, impressiona vivamente e essa impressão não a atribuo tão-só ao talento e à arte do escritor mas também ao valor experimental dos fatos em que eles se fundam. Note-se ainda que Fernando de Azevedo teve a rara felicidade de por em prática as suas doutrinas, reformando, de alto a baixo, radicalmente, a instrução do Distrito Federal de acordo com os princípios que prega, e o resultado dessa reforma ainda não desmentiu as suas esperanças. A obra que levantou continua de pé, resistindo, vitoriosa, a todos os pruridos de mutações que comumente se apoderam dos que sobem a postos de governo. A revolução respeitou o que o notável educador deixou feito” (Plínio Barreto “Livros Novos”: in: O Estado de São Paulo: 07/02/1932).
Fontes: http://www.profala.com/artpsicomotricidade2.htm http://www.sbhe.org.br/novo/congressos/cbhe4/coordenadas/eixo06/Coordenada%20por%20Carla%20Simone%20Chamon/Marlos%20Bessa%20Mendes%20da%20Rocha%20-%20Texto.pdf

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